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À prova de espiões

Eben Moglen cria o servidor FreedomBox, resistente a rastreamentos feitos por governos e empresas.   Sergio Amadeu da Silveira

ARede  nº 77  janeiro de 2012 – Professor de Direito na Universidade de Columbia, em Nova Iorque (Estados Unidos), Eben Moglen foi um dos principais autores da licença GPL utilizada para garantir o princípio do copyleft nos softwares livres. É um dos pioneiros da Free Software Foundation e o criador e presidente do Software Freedom Law Center. Moglen tornou-se um dos ícones do conhecimento livre, da defesa da privacidade e dos direitos civis na internet.

Em fevereiro do ano passado, ele criou a FreedomBox Foundation (http://freedomboxfoundation.org), para desenvolver um pequeno servidor pessoal que será resistente a vigilância e a espionagem. A ideia é dar aos cidadãos condições de enfrentar as máquinas de rastreamento que inundam a rede, estejam a serviço de governos autoritários ou de megacorporações interessadas em obter o perfil de navegação de cada internauta.

Esse pequeno hardware foi batizado de FreedomBox, caixa da liberdade, em português. O hardware é aberto e os softwares embarcados são livres, como a distribuição Debian. A missão da Fundação criada por Moglen é angariar fundos para a criação e a expansão de softwares para o FreedomBox. O objetivo é arrecadar US$ 500 mil, que viabilizariam lançar o servidor dentro de aproximadamente um ano.

Para Moglen, o crescente uso das redes digitais e da infraestrutura de comunicação nos obriga a pensar em como nos proteger daqueles que não têm “as melhores intenções”. Rastreadores de navegação, identificadores de perfis, organizadores de banco de dados com dados sobre nosso comportamento online fazem isso por diversos interesses econômicos e políticos. Moglen quer construir um processo comunicacional que não dependa de um servidor central, o que permitiria recuperarmos o controle sobre nossa privacidade e nossa navegação.

“Devolvendo o poder aos usuários em suas redes e máquinas, estamos retornando a internet para a sua arquitetura originalmente peer-to-peer”, afimou. A fim de trazer esse espírito novamente para a rede, é fundamental produzir um equipamento fácil de ser amplamente utilizado. Moglen diz que “o hardware que será executado deve ser barato. O software a ser executado deve ser de fácil instalação e que possa ser administrado por qualquer pessoa”. Além disso, deve permitir que os internautas continuem utilizando os serviços existentes.

FreedomBox quer ser uma plataforma que resista às tentativas opressivas de vigilância, intimidação e censura. Busca ser uma ferramenta de organização de ativistas democráticos em regimes hostis e uma rede de comunicação de emergência em tempos de crise. Como está claramente escrito no site da FreedomBox Foundation, o projeto quer combinar o poder de computação de um telefone inteligente com o seu roteador sem fio para criar uma rede de servidores pessoais para proteger a privacidade durante a vida diária, manter uma cabeça de ponte para o acesso à rede livre em tempos de instabilidade política, e que assegure a comunicação durante momentos de catástrofes naturais.

“Quando todo mundo está apenas em um grande banco de dados controlado pelo Sr. Zuc-
kerberg, não é difícil bloquear e retirar da rede os articuladores de um protesto. Basta que uma entidade poderosa envie um pedido ao Sr. Zuckerberg que ele não possa se dar ao luxo de recusar”, disse Moglen. Agora, imagine se as pessoas estão conectadas a partir de dezenas de milhares de servidores individuais criptografados. Reduzem enormemente as possibilidades de um governo repressor descobrir quem estava publicando ou lendo um material considerado “subversivo”.

Enquanto o projeto FreedomBox ainda está na fase inicial, quem quiser proteger sua navegação de olhares indesejados ou de rastreadores de perfis, sejam empresas ou agências do governo, pode usar uma ferramenta chamada TOR. TOR é uma rede de túneis virtuais que permitem às pessoas se comunicarem sem que os rastreadores de tráfego possam saber onde efetivamente elas estejam no mundo. Assim, um chinês pode tentar driblar o bloqueio promovido pelo governo chinês ao livre acesso à internet. O TOR exige que se instale um cliente multiplataforma no computador. Esse cliente roda em GNU/Linux, MacOS, Windows. O TOR é a base para uma ampla gama de aplicações que permitem às organizações e cidadãos compartilhar informações pela internet sem comprometer a sua privacidade.
Informações e o download do TOR podem ser realizados a partir do site do projeto (www.torproject.org). A Anistia Internacional e diversos grupos de defesa dos direitos humanos utilizam o TOR. Jornalistas usam o TOR para se comunicarem de forma mais segura com seus contatos e fontes que são dissidentes em regimes autoritários. A comunicação a partir do TOR permite que os usuários publiquem posts e acessem sites e outros serviços sem a necessidade de revelar a localização de seu computador, ou seja, o número IP registrado será outro.

Sergio Amadeu da Silveira é sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.

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