Movimento articula campanha para impedir que corporações de telefonia dos Estados Unidos monopolizem a rede mundial
Sérgio Amadeu da Silveira
A internet corre perigo. Não, esta não é uma frase de impacto. Tudo
porque as gigantescas empresas que controlam a conexão física das
telecomunicações estão se sentindo ameaçadas pelo avanço de práticas
como a VoIP (voz sobre IP), o rádio na web e a webTV. Além disso, as
megacorporações da velha indústria do entretenimento também estão
extremamente preocupadas com o crescimento das práticas de colaboração
e compartilhamento de conteúdos culturais. Estão assustadas com o P2P,
com o BitTorrent. Sim, e daí? Para aqueles que acreditavam que os
Estados Unidos não têm um poder desproporcional sobre a internet
acompanhe o que está acontecendo no Congresso dos Estados Unidos.
Uma parte dos congressistas dos EUA quer aprovar uma lei permitindo que
as operadoras de telefonia possam tratar de maneira diferenciada os
pacotes de informações (datagramas) que transitam pelas redes de
conexão, ou seja, através da infra-estrutura de telecomunicações. Os
pioneiros da rede e pessoas como Lawrence Lessig estão participando de
um movimento chamado Save The Internet (salve a internet). O movimento
defende o que é conhecido como o mais importante princípio da rede, o
chamado princípio da neutralidade. A neutralidade não é a melhor
palavra para expressar o que acontece até hoje na rede, mas é uma
expressão tradicional entre os norte-americanos. Na verdade, até hoje,
a internet funcionou sem que as empresas de telefonia se intrometessem
no fluxo de informações, não importava quem enviou os pacotes, quem
iria recebê-los, qual a aplicação que ele utilizará, se é um pacote de
uma página da web, se é uma conversa em um chat ou se é uma mensagem de
e-mail. A camada de infra-estrutura não tinha legitimidade para dizer o
que as camadas lógicas da rede poderiam fazer. Bom, isso não é bem uma
questão de neutralidade, é uma decisão de não-interferência e de
igualdade absoluta no trato dos pacotes de informação. Todavia,
conforme sabemos há muito tempo, quem controla a infra-estrutura pode
tentar controlar a rede e seus fluxos.
O que querem as companhias de telecom? Rever o principal ato de
telecomunicações dos Estados Unidos e poder interferir no tratamento
dos pacotes a depender de quem os envia e do que ele transporta. Isso
permitiria que os pacotes que trazem a voz sobre IP, o uso do skype,
por exemplo, tenha um preço mais caro do que os pacotes que transferem
textos. Assim, tentariam compensar o dinheiro que perderam com o
surgimento da telefonia na web. E o pior, as operadoras de
infra-estrutura poderiam escolher que os sites de empresas parceiras
trafegassem mais rapidamente que os pacotes dos blogs dos milhares de
internautas. Poderiam, ainda, a pedido das associações de empresas de
entretenimento, inviabilizar o fluxo de arquivos que usassem o
protocolo BitTorrent, entre outras formas obscuras de retrocesso.
Eufemisticamente chamam esse procedimento de “luta pela transparência
dos pacotes que transitam pela rede”.
Surge uma questão… A internet não é mundial? Como uma lei no
Congresso dos Estados Unidos poderia afetar o Brasil? Os EUA ainda
detêm a maior parte do tráfego da internet mundial. Além disso, os
principais provedores de conteúdo da web se encontram hospedados em
território norte-americano. Imagine o que ocorrerá com o seu provedor
de e-mail gratuito se ele estiver com seus servidores de rede
hospedados nos Estados Unidos. Se os dez maiores sites em audiência do
mundo (Yahoo, MSN, Google, My Space, YouTube, etc.) tiverem tratamento
diferenciado pelas operadoras da infra-estrutura de conexão no
território dos Estados Unidos, todo o mundo será afetado. Pense no site
que hospeda o seu blog, fotoblog ou videoblog. Onde ele está? No
Brasil? Independente disso, se o fluxo de dados que vêm da Europa para
o Brasil passar pelas redes de alta velocidade nos Estados Unidos
(backbones), ele estará submetido às regras aprovadas pelo Congresso
daquele país.
As companhias AT&T, Verizon, Comcast e Time Warner querem ser
gatekeepers, vigias da internet, decidindo sobre a sorte dos websites,
definido quais serão mais rápidos ou lentos e quais não conseguirão
carregar toda a sua página no browser dos internautas. Querem
discriminar os pacotes de dados, que são divididos e remontados de
acordo com os protocolos TCP/IP, a favor de seus próprios serviços, de
suas estruturas de informação e seus motores de busca, seus serviços de
telefonia IP, e de vídeo pela web. Com esse poder poderão tornar seus
concorrentes lentos e torná-los frágeis, com o tempo, para tomar seu
espaço. Essas companhias querem monopolizar a internet. Querem reservar
pistas expressas para seus próprios serviços e para aqueles grandes
parceiros que pagarem seus pedágios virtuais.
A interferência no fluxo de pacotes pode afetar profundamente a
inovação e os inovadores. A lei norte-americana pode impedir histórias
de sucesso de quem começou pequeno e construiu empreendimentos tais
como o EBay ou o Google. As vozes independentes e os grupos políticos
são vulneráveis a essa política obscura de inteferência. Sites como o
Pirate Bay poderiam deixar de ser visualizados em toda a América. A
censura poderá ser imposta na prática pelas companhias de
entretenimento e infra-estrutura de telecom. No site www.savetheinternet.com existem vários exemplos dos perigos que estaremos correndo caso essa batalha seja perdida:
provedor da Carolina do Norte impediu que seus usuários de ADSL (linha
de banda larga) pudesse utilizar qualquer serviço de webfone de seus
concorrentes.
• Em 2005, a Telus, gigante canadense de telefonia, bloqueou a visita
dos internautas ao site da União dos Trabalhadores de Telecomunicações
durante uma disputa trabalhista.
• Em abril deste ano, a AOL/Time Warner bloqueou todos os e-mails que
mencionavam o site www.dearaol.com, que organizava uma campanha contra
as formas de cobrança daquela empresa.
Existem inúmeros outros exemplos de interferência das operadoras de
infra-estrutura nos fluxos de informação e na liberdade dos
internautas. Por isso, é vital não só a derrota da proposta das
operadoras de telecom no Congresso dos Estados Unidos, como também será
necessário construirmos uma permanente campanha em defesa da liberdade
e da cidadania na rede. Um bom começo é usar em seu blog e em seu site
o símbolo da campanha “Save the internet”. Basta você entrar no site e
colocar o símbolo da campanha em seu blog. O site dá as instruções. A
liberdade na rede exige luta.