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raitéqui – Europa ameaça a neutralidade

Europa ameaça a neutralidade

Projeto de reforma do mercado de telecom europeu revela normas que liberam operadoras de telecom para priorizar tráfego
Texto La Quadrature du Net*   |   ilustração Ohi

 
ARede nº 93 – setembro/outubro de 2013

Nos últimos três anos, um consórcio liderado pela Alcatel-Lucent trabalha em aspectos técnicos, comerciais e legais de um plano que efetivamente poria fim à internet livre e aberta, como utilizamos hoje. Sob o pretexto de proteger a neutralidade da rede, Neelie Kroes, comissária da União Europeia, está prestes a conceder às grande companhias de telecomunicações um escudo legal para adquirir poder na economia da internet – como consta de um novo documento vazado da Comissão Europeia. (…)

No mês de julho, a organização La Quadrature du Net e diversos grupos de advogados criticaram o projeto de reforma do mercado europeu de telecom, mostrando de que modo as propostas contidas no projeto atacam a neutralidade da rede sob o argumento de defendê-la – ao mesmo tempo em que o artigo 20 do projeto evitaria que operadoras de telecom bloqueassem e estrangulassem as comunicações na rede. O projeto também permitiria que operadoras estabelecessem limitações de dados, acabando com o acesso ilimitado oferecido hoje a muitos cidadãos europeus.

Como havíamos alertado, a Comissão estaria, assim, cedendo às pressões de longa data das operadoras de telecom para entrar no negócio com grandes provedores de conteúdo como Google, Facebook ou tradicionais distribuidores de conteúdos, com propósito de priorizar tráfegos de dados. Diante de tal poder corporativo, o plano relegaria ao restante dos cidadãos e aos inovadores entrantes uma internet mais lenta, minando a competição, a inovação e a plataforma aberta de comunicação chamada internet.

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Enquanto a comissária Neelie Kroes e seu staff arrogantemente disseminam essas posições, uma comparação entre o projeto de regulação e os documentos do consórcio ETICS (na sigla em inglês, Economics and Technologies for Inter-Carrier Services) mostra que os integrantes do consórcio foram diretamente ao ponto. Esses documentos ajudam a entender por que Neelie – que há pouco tempo costumava condenar discriminações de tráfego por motivos comerciais – se tornou uma ardente defensora dos interesses das operadoras de telecom dominantes.

Três anos atrás, sob o irônico nome de Economia e Tecnologia para serviços inter-carrier, um consórcio começou a trabalhar em aspectos técnicos, legais e comerciais do chamado Serviço de Qualidade Garantido (em inglês, Assured Service Quality – ASQ), outro nome para “priorização de tráfego”.

Liderado pela Alcartel-Lucent, o ETICS foi composto majoritariamente por operadoras de telecom (BT, Deutsche Telekom, Orange, Telefónica, Telenor), mas também por institutos de pesquisa (Politecnico di Milano, Institut Telecom, Université de Versailles, University of Stuttgart). Os contribuintes europeus também terão ineresse em saber que a maior parte dos recursos do projeto vem do montande de 8 milhões de euros públicos subsidiados pela União Europeia, em um programa chamado Future Networks.

O projeto ETICS foi concluído em junho de 2013 com as últimas deliberações. Em meio a várias falsas premissas, o documento denuncia que “os financiamentos da internet atual e as regras de gestão podem ter chegado ao limite” e que a priorização de tráfego na internet é a única maneira de as operadoras investirem em uma rede mais veloz. O consórcio ignora ou não compreende os argumentos dos defensores da neutralidade de rede. Mas apesar (ou por causa) das manobras, esse documento ajuda a jogar uma nova luz sobre grande parte do debate sobre neutralidade da rede nos últimos três anos.

Diante desse documento, fica absolutamente claro que a posição de Neelie contra a neutralidade foi dirigida a pavimentar o caminho para a regulação requerida pelo consórcio. (…)

O artigo 20 do projeto de reforma do mercado europeu de telecom não apenas dá às operadoras liberdade para priorizar tráfego, como cria o ambiente regulatório perfeito para a ASQ, que acomoda exatamente o produto e o modelo de negócios em que o consórcio ETICS vem trabalhando há três anos. Mas não é só isso. As pesquisas do ETICS sugerem que a atual ou futura neutralidade da rede poderia impedir a prestação de serviços de qualidade. E, sob esse argumento, a Comissão Europeia criou uma brecha no âmbito da União Europeia, proibindo agências regulatórias de aplicar a “real” neutralidade da rede.

A organização La Quadrature argumentou que garantias de qualidade de serviços e aplicativos da internet (em oposição ao modelo tradicional de entrega de melhor desempenho) seriam aceitáveis sob três condições:

– que essa qualidade de serviço fosse aplicada indiscriminadamente para diferentes serviços e aplicativos online;
– que essa qualidade de serviço estivesse sob total controle do usuário, de modo que se preservasse as principais características da arquitetura da rede;
– que o melhor desempenho da internet fosse protegido da degradação causada pelo desenvolvimento de mecanismos de garantia qualidade, por exemplo, assegurando a “qualidade de serviço suficiente” para o modelo de entrega de tráfego de melhor desempenho (um conceito já em uso em alguns países da UE).

*Publicado originalmente no site da organização
La Quadrature du Net. Tradução Áurea Lopes.
Leia a íntegra em http://bit.ly/1dZU54V