Europa enterra o Acta
Acordo foi rechaçado por grande maioria no Parlamento, reflexo de uma mobilização sem precedentes
Ricardo Martínez de Rituerto
ARede nº 82 – julho de 2012
O ACORDO INTERNACIONAL contra a falsificação e a pirataria (Acta) foi rechaçado de goleada: 478 votos contra, 39 a favor e 165 abstenções são o resultado da votação no plenário do Parlamento Europeu (PE). Todos os grupos, com exceção do Partido Popular Europeu (PPE), se pronunciaram contra o pacto internacional durante um debate em Estrasburgo (França). Bruxelas e ativistas chegaram a pedir o adiamento da votação até que o Tribunal da União Europeia (EU) esclarecesse se o acordo era compatível com as leis comunitárias, mas as reivindicações não foram bem-sucedidas. Prevaleceu a tese de que o Acta era uma resposta inadequada a um problema real, ao conter diversas ambiguidades e abrir a porta a atentados à privacidade dos consumidores, às liberdades de expressão e à livre circulação de informações.
O estrondoso “não” do Parlamento Europeu terá repercussões, considerando-se as reservas já manifestadas pelo Parlamento australiano; e reforçará a posição dos críticos ao acordo nos Estados Unidos. Para o setor industrial, de design e criação, a votação é um erro que afetará a propriedade intelectual, o emprego e a economia na Europa.
A votação do PE é reflexo de uma mobilização sem precedentes da opinião pública europeia, que pressionou em favor do repúdio com e-mails, chamadas telefônicas, manifestações e até com uma petição que teve 2,8 milhões de assinaturas. “O debate do Acta provou que existe uma opinião pública europeia que transcende as fronteiras”, declarou, em um comunicado oficial, o socialista alemão Martin Schulz, presidente do Parlamento. “A decisão de rechaçar o Acta não foi tomada às pressas”, completou. “A maioria do Parlamento Europeu acredita que o Acta não é a solução adequada. O Acta é demasiado vago, deixa espaço para abusos e inquieta por seu impacto na privacidade dos consumidores, as liberdades civis, a inovação e a livre circulação de informação”, insistiu Schulz.
A sorte do Acta no plenário estava decretada por seu prévio fracasso em cinco comissões parlamentares, apesar de um último intento do Partido Popular Europeu para que se esperasse o pronunciamento sobre a compatibilidade ao direito comunitário pelo Tribunal de Justiça da UE, a petição da Comissão Europeia, firme partidária do acordo, pactado no início deste ano em Tóquio, com a participação de Karl de Gucht, comissário de Comércio Internacional. Gutch chegou a afirmar que não havia o que temer em relação ao Acta pois o acordo não muda as leis europeias: “Se agora essas leis não violam os direitos, tampouco o novo tratado o fará”. Foi uma defesa condenada ao fracasso, dada a percepção generalizada nas ruas de que o Acta é perigoso porque autoriza os provedores de acesso à internet, com a desculpa de combater o download ilegal de acervos, a fornecer aos proprietários dos direitos os endereços IP dos internautas presumidamente piratas. “Esse não é o papel dos provedores de acesso à internet, é muito perigoso”, replicou o legislador inglês David Martin, da comissão de Comércio Internacional.
Os parlamentares europeus reprovavam o acordo que, em justo combate contra falsificações de produtos de marca e medicamentos, se lançara também contra determinadas atividades na internet. Após a votação, Martin, satisfeito, advertiu que será necessário encontrar outros meios para proteger a propriedade intelectual, “a matéria prima da economia da União Europeia”.
Nesse ponto, concorda com Martin a diretora da Federação Europeia de Editores, uma das 130 instituições europeias que aprovava o acordo. Anne Bergman-Tahon disse que “o Acta é uma importante ferramenta para promover o emprego e a propriedade intelectual europeia”. Em comunicado, lamentou: “Desgraçadamente, o tratado não teve uma boa entrada no Parlamento e não foram consideradas suas valiosas contribuições”.
Esse tratado, destinado a reforçar a proteção da propriedade intelectual, foi subscrito, em outubro de 2011, por Austrália, Canadá, Cingapura, Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão, Marrocos e Nova Zelândia. Em janeiro deste ano, se somou a União Europeia, embora a adesão estivesse vinculada à ratificação no Parlamento, que acaba de rechaçá-lo por ampla maioria. A Espanha já assinou o acordo, com grande entusiasmo, em janeiro. Esse marco legal que pretende-se implantar em todo o mundo causou a demissão do principal proponente do tratado no Parlamento, o deputado Kader Arif.
Para entrada em vigor, o Acta precisaria ser ratificado por, no mínimo, seis das partes que o negociaram. No caso da União Europeia, deveriam assinar e ratificar cada um dos estados membros, por se tratar de um acordo que abriga competências nacionais e da comunidade.
Ricardo Martínez de Rituerto é articulista do jornal espanhol El País, onde foi publicado este texto