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raitéqui – Fablabs, makerspaces, gambiarra e conserto

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 Fablabs, makerspaces, gambiarra e conserto

Resumir a fabricação digital à prototipagem limita o potencial da tecnologia

Felipe Fonseca

ARede nº 99 –  julho/agosto de 2014

SURGIDOS A partir do Centro para Bits e Átomos (CBA), no Media Lab, do MIT, os Fablabs – laboratórios de fabricação digital – são espaços com equipamentos para criação e modificação de objetos a partir de arquivos digitais. Têm fresadoras, cortadoras de vinil, máquinas de bordar, impressoras, scanners 3D etc. Parte dessas tecnologias já existe há décadas era associada à indústria ou à arquitetura, e seu uso era complicado. Mas são hoje acessíveis e mais simples.

O surgimento dos Fablabs deve-se a pesquisas do MIT sobre o barateamento e o maior acesso a tais tecnologias, na esteira do curso “como fazer (quase) qualquer coisa”, oferecido por Neil Gershenfeld, diretor do CBA. Logo os Fablabs seriam replicados no mundo inteiro, aliando-se ou inspirando projetos dedicados à fabricação digital como a Reprap, a Makerbot e outros. Um projeto brasileiro que orbita essa área é a Metamáquina, primeira fabricante nacional de impressoras 3D de baixo custo.

Os Fablabs e suas tecnologias também tornaram-se mais conhecidos à medida em que passaram a ser identificados como ponta de lança de uma suposta “nova revolução industrial”. Têm bastante em comum com outras tendências em voga, como o hardware livre, a computação física e os hackerspaces. Tomadas em conjunto, comporiam a chamada “maker culture” (que pode ser traduzida como cultura da fabricação). Além dos Fablabs – ligados a instituições acadêmicas ou comerciais –, existem espaços para a cultura maker voltados a um público mais amplo, os chamados makerspaces. Se os Fablabs voltam-se a estudantes universitários de design e engenharia, os makerspaces estariam mais abertos a amadores, hackers e mesmo artesãos.

Um dos nomes de peso a afirmar a cultura maker como plataforma para a nova revolução industrial é Chris Anderson, ex-editor da revista Wired e coordenador das conferências TED. Para ele, uma das principais implicações da fabricação digital é expandir o horizonte de atuação da inovação tecnológica – não mais limitada às redes digitais e mídias sociais, mas agora aberta ao que ele chama “mundo dos átomos”.  

Sugere que uma abertura a ideias comerciais inovadoras das startups da internet estaria agora acessível a inventores-empreendedores voltados para a criação de novos produtos.

Apesar de toda a retórica “revolucionária”, essa vertente comercial da cultura maker costuma usar um vocabulário oriundo da produção industrial quase sem questioná-lo. Nesse discurso, a relevância das tecnologias de fabricação digital se daria porque inventores poderiam “prototipar” suas invenções a um custo baixo.

Para o pesquisador brasileiro Gabriel Menotti, o protótipo é “um objeto crítico de sua própria função”. Ou seja, só existiria enquanto etapa anterior à versão definitiva de um produto. Frente às múltiplas potencialidades sugeridas pelas tecnologias de fabricação digital, pensar somente em protótipos poderia ser um equívoco, implica assumir que sua única função é simular um objeto que será fabricado, o que restringiria suas possíveis interpretações. Menotti sugere a necessidade outras definições para os objetos resultantes da criatividade aplicada às novas tecnologias de fabricação digital. Para ele, a gambiarra seria mais adequada a tempos pós-industriais.

A perspectiva da gambiarra estimula a maior diversidade de apropriações e invenções, a partir da exploração de indeterminações materiais. Aumentam-se as possibilidades de usos criativos dos objetos fabricados, à medida em que se recusam o encerramento e a delimitação de suas funções. Mais do que replicar em escala local os processos industriais, as tecnologias de fabricação poderiam indicar outras formas de articulação entre criatividade e objetos.

Na encruzilhada entre o grande potencial de transformação local e coletiva das tecnologias de fabricação digital e sua assimilação pelos mecanismos globais de uma economia industrial baseada na especulação e na publicidade que se situa o ReFab Space, do Access Space, na Inglaterra. O projeto surgiu quando o Access Space recebeu doações de máquinas digitais de fabricação industrial, mas configurou-se de maneira diversa dos Fablabs.

A diferença entre um Fablab e o ReFab Space é parecida com a distinção entre o protótipo e a gambiarra. O Access Space é reconhecido internacionalmente pela atuação no tema do lixo eletrônico. Sua articulação pode sugerir uma produtiva contraposição entre a “cultura da fabricação” e o que poderia ser chamado de “cultura do conserto”. De fato, em uma época na qual a humanidade produz quantidades imensas e crescentes de lixo cuja proporção potencial de reciclagem pode, no máximo (com otimismo), manter-se estável, a mera sugestão de multiplicarem-se os meios de fabricação de novos objetos deveria ser questionada. A alternativa, utilizar as tecnologias de fabricação para produzir peças que possibilitem a reutilização de materiais, equipamentos e objetos, parece muito mais apropriada.

www.fablabs.io | http://cba.mit.edu
http://reprap.org | http://makerbot.com
http://metamaquina.com.br | http://refab-space.org

 

 


 

Felipe Fonseca raitequiFelipe Fonseca é coordenador do núcleo Ubalab. Organiza o Tropixel e leciona na Escola Técnica Municipal Tancredo de Almeida Neves.