Hackathon: a força da inteligência coletiva
Encontros de hackers para solucionar problemas digitais ou criar softwares se multiplicam pelo mundo
Sergio Amadeu da Silveira
ARede nº 88 – jan/fev de 2013
PESSOAS TÊM se reunido em diversas cidades para resolver problemas umas colaborando com as outras. Muitos modelos de colaboração não excluem a competição e os desafios entre colaboradores. Existe um tipo específico de encontro em que programadores, desenvolvedores de software, designers, projetistas, educadores, ativistas, entre outros, utilizam sua inteligência e habilidade para criar conjuntamente soluções tecnológicas. Estes encontros, conhecidos como hackhathons, também chamados de hackday, hackfest e codefest, são eventos que se multiplicam em todo o planeta para enfrentar uma variedade de problemas.
Para os desavisados, o termo hacker pode significar algo perigoso ou até mesmo criminoso. Todavia, hackers são pessoas que gostam de explorar os detalhes de sistemas e programas para ampliar seu conhecimento e superar desafios lógicos. O termo se expandiu em paralelo ao avanço das tecnologias computacionais. Nasceu nos Estados Unidos e acabou sendo utilizado pelas comunidades de aficionados pelos códigos de programação. Os hackers originais foram muito influenciados pela contracultura norte-americana e pela ideia de compartilhamento de conhecimento como base de distribuição do poder. Os hackers passaram a denominar de crackers as pessoas que invadem computadores para obter vantagens pessoais ou realizar atividades criminosas. Segundo Manuel Castells, os hackers construíram uma cultura que está intrinsecamente ligada à construção colaborativa e aberta da Internet.
Kevin McArthur, Herb Lainchbury e Donna Horn escreveram um excelente guia sobre hackathons (apenas em inglês: The Open Data Hackathon How to Guide). Nele, os autores esclarecem que chamar alguém de “hacker” é um elogio. Os hackers vinculados às comunidades de software livre e aberto desenvolveram um conjunto ético em torno do princípio da liberdade e compartilhamento da informação. Os hackers chamam de “hacks” as novas criações ou soluções para problemas que precisam enfrentar. O propósito de um Hackathon é criar hacks, elegantes ou não, completamente inovadores ou apenas novos arranjos e formas de resolver velhos problemas ou para analisar dados. A palavra “Hackathon” vem da combinação de “hack” com a palavra “maratona”. Como em uma corrida de fôlego, o hackathon exige intensidade e concentração dos participantes. Ele busca criar algo de útil em um único evento que pode durar um dia ou mais.
No Brasil, o jornal O Estado de S. Paulo realizou seu hackathon. A Câmara Municipal de São Paulo, em maio de 2012, reuniu hackers e militantes em um hackathon para desenvolver aplicativos para ampliar a transparência dos dados públicos num prazo de 48 horas, sem intervalo. A comunidade que desenvolve o sistema operacional livre OpenBSD realiza desde 1999 sua maratona hacker. Tudo indica que o hackathon anual OpenBSD foi o primeiro a empregar esta expressão. Outro importante hackathon foi o Music Hack Day, organizado em julho de 2009 na sede do prestigiado jornal inglês The Guardian, tinha como objetivo criar aplicações, soft-
wares e hardwares para a música. O primeiro Music Hack Day contou com 200 desenvolvedores que tiveram 24 horas para construir mais de 35 hacks. Praticamente todos os participantes dormiram no local. O sucesso do evento foi tamanho que foi replicado em outros países, incluindo os EUA, Alemanha e Holanda.
Alguns hackathons se concentram em uma plataforma específica, aplicativos móveis, um sistema operacional ou soluções para a rede. Para organizar um hackathon é fundamental definir claramente o seu propósito. Como sugere o Guia do Hackathon de dados abertos, é preciso ter um objetivo: “aumentar a consciência em torno de dados abertos” ou “consertar pelo menos 10 bugs no aplicativo X” ou “criar aplicativos para celulares que permitam a participação dos cidadãos em determinado processo” etc. Não se esqueça que o hackathon não é apenas uma ação prática, mas uma forma de dar aos outros a oportunidade de contribuir. O evento pode reunir hackers, especialistas, educadores, interessados nas questões que ele se propõe a enfrentar. Alguns premiam as melhores soluções criadas.
Não existe um modelo único para organizar o hackathon. Eles podem começar com uma apresentação sobre os objetivos da maratona e seguir para a formação de equipes. Essas equipes podem ser reunidas conforme as habilidades exigidas, interesses ou já ter sua conformação definida anteriormente na própria convocação do hackathon. O trabalho das equipes começa e pode durar muitas horas ou dias seguidos, por isso, é vital que a estruturação do evento tenha previsto como será a alimentação e o espaço para que as equipes possam colocar seus sacos de dormir. No final dos hackathons, geralmente há a apresentação dos resultados obtidos pelos grupos. Também é possível encontrar vários modelos de premiação e de julgamento das souções criadas pelas equipes que participaram da maratona hacker. O importante é ter previsto os passos do hackathon antes, de preferência, que eles possam ser divulgados previamente em um site.
O hackathon é um encontro que pode ajudar as escolas, telecentros, comunidades, grupos culturais e empresas a encontrar soluções tecnológicas adequadas para problemas tecnológicos que sejam de grande interesse de desenvolvedores, programadores e hackers. O modelo colaborativo nascido no coração da cultura hacker não só foi fundamental para a construção da Internet, como é uma fonte importante para organizarmos nosso presente e futuro criativo.
Sergio Amadeu da Silveira é sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação