Um novo paradigma de comunicação está abalando a mídia tradicional. Ainda bem.
Sérgio Amadeu da Silveira
O jornalismo tradicional está sendo profundamente afetado pelas redes
informacionais. A velocidade da informação aumentou e, ao mesmo tempo,
a vida útil das matérias diminuiu gradativamente. O ambiente digital
permite que a notícia seja transmitida mais rapidamente com recursos
muito mais sofisticados do que os obtidos com o papel impresso.
Imagens, sons, vídeos podem fazer parte de uma única notícia divulgada
na web. Mas a revolução maior não ocorre na esfera da distribuição da
informação. A maior transformação acontece na produção da informação.
Na Coréia do Sul, um jornal chamado “OhMyNews” (www.ohmynews.com)
tornou-se um fenômeno ao atingir mais de 2 milhões de leitores diários.
A novidade está na produção. Leitores e colaboradores escrevem as
matérias. O jornal surgiu em 2000, criado por Yeon Ho, experiente
jornalista coreano. A idéia de um jornalismo colaborativo e feito pelos
cidadãos nasceu, em 1989, quando Yeon Ho organizou uma série de
palestras para a “Revista Mal”, sobre a democratização da mídia.
Denominou a série de “Cada cidadão é um repórter”. O repórter-cidadão é
a alma desse jornal coreano.
O sucesso do “OhMyNews” é tão grande que o jornal paga em média US$ 30
por matéria escrita pelos leitores-colaboradores. A pesquisadora
brasileira Ana Brambilla estudou o modelo do “OhMyNews” e acabou
integrando seu quadro de colaboradores, escrevendo matérias sobre o
Brasil. O modelo do “OhMyNews” une jornalistas profissionais e cidadãos
jornalistas. Os profissionais, em geral, são os editores e escolhem as
matérias que farão parte de cada edição. A matéria sobre a guerra no
Iraque é escrita por um iraquiano, a matéria sobre o cinema da Índia é
redigida por um indiano, ou seja, os relatos acabam sendo mais
profundos do que os das agências internacionais.
Ana, ao concluir seu estudo sobre a genealogia do jornalismo cidadão,
escreveu: “Visto com certo ciúme pela mídia coreana tradicional, o
“OhMyNews” estabelece um relacionamento diferenciado entre público e
notícia, recriando a própria identidade do repórter como um ator do
cotidiano e reconfigurando o noticiário através da valorização de
diversos pontos de vista oferecidos por redatores-interlocutores. Não
se trata mais de uma notícia como fruto de um trabalho de apuração,
checagem, redação e edição, constituindo um produto finalizado. O
noticiário open source no “OhMyNews” faz da notícia um constante
vir-a-ser, um diálogo entre os cidadãos-repórteres, leitores ativos,
capacitados e convidados a intervir na mensagem”.
Visões diversificadas
Jornal "OhMyNews": 2 milhões
de leitores diários.
A empresa montada para manter o “OhMyNews” tem um capital de
aproximadamente US$ 2 milhões (o que não é muito, diante dos
conglomerados da mídia mundial), mas seu faturamento tem sido capaz de
manter 60 repórteres e um canal de TV via web. O importante da
experiência coreana é a participação crescente e a qualidade das
matérias. Compare o “OhMyNews” com qualquer outro site de notícias.
Você irá ver que não somente é possível acompanhar os principais
acontecimentos do planeta como é viável ter um jornalismo com
informações mais precisas e visões mais diversificadas.
A web está tornando emergente um novo jornalismo, permitindo que
cidadãos informem outros cidadãos, enfim, que “cada cidadão seja um
repórter”. O pioneiro do jornalismo feito pelos próprios leitores foi o
Slashdot, um site de notícias da comunidade de desenvolvedores de
software aberto (http://slashdot.org/).
Esse modelo, participativo e colaborativo, típico da comunidade de
software livre, inspirou muitos outros empreendimentos. O Digg (www.digg.com)
é um deles. Desenvolvido pelos usuários — que votam as matérias que
devem ser expostas na primeira página e escolhem a hierarquia de
exposição em cada área jornalística —, o Digg atingiu a 22ª colocação
no ranking de sites mais acessados nos Estados Unidos. O grande
desempenho do Digg atraiu os investidores. Analistas acreditam que, se
fosse vendido hoje, valeria cerca de US$ 200 milhões.
Obter a atenção dos internautas é cada vez mais difícil diante da
quantidade crescente de sites e portais que oferecem diariamente
milhões de novas páginas. O jornalismo cidadão beneficia-se da
comunicação viral para atrair a audiência de seus leitores que a
qualquer momento podem tornar-se repórteres ou comentaristas. A
superação da posição estática entre formulador da notícia e leitor da
informação jornalística é uma realidade nesse contexto. O cidadão pode
ter um papel decisivo na coleta, relato e análise das notícias. Foi
assim durante os atentados do 11 de setembro, no cenário do tsunami,
dentro das fronteiras do Iraque ocupado e do Líbano atacado. O
jornalismo cidadão permite maior independência das fontes e dos
informantes em relação ao esquemas tradicionais de poder e de alocação
de verbas publicitárias. Uma rede de TV que recebe milhões de dólares
para divulgar produtos da Monsanto dificilmente irá pautar informações
esclarecedoras sobre transgênicos. O jornalismo participativo é mais
democrático.
A produção distribuída pela rede de conteúdos jornalísticos é, na
prática, uma antídoto ao controle ideológico da informação que durante
muito tempo esteve nas mãos das grandes agências de notícias. As
agências dominavam tanto a informação que não era incomum que jornais
concorrentes, em uma mesma cidade, publicassem na primeira página a
mesma foto e quase o mesmo texto. A web está revigorando a produção de
notícias. O site do Overmundo (www.overmundo.com.br)
é um exemplo de um tipo de jornalismo cultural feito pelos produtores,
artistas e organizadores da cultura brasileira, sem
conservadorismo, e sem a censura privada dos grupos financiadores da
mídia tradicional.
Para saber mais sobre jornalismo cidadão, jornalismo participativo ou
open source é importante ler o texto “Jornalismo Cidadão: você faz a
notícia”, da Coleção Conquiste a Rede, escrita por Ana Carmen Foschini
e Roberto Romano Taddei e disponível no site do Overmundo.