Plataforma em software livre permite ao usuário montar sua própria grade de vídeos para assistir no computador
Sérgio Amadeu da Silveira
A digitalização das informações e dos bens simbólicos está gerando
grandes impactos em nossa sociedade. Ela permite libertar os conteúdos
dos seus suportes. Assim, o texto não está mais preso ao papel, o filme
também está livre da fita ou do CD, o som pode ser colocado em um pen drive
ou em um servidor de músicas para a web. Enfim, a digitalização permite
integrar toda a produção simbólica da humanidade em uma rede aberta.
Pierre Lévy chegou a dizer que estamos construindo um único hipertexto
que representaria a inteligência coletiva da humanidade. A linguagem
digital é a base para tudo poder se integrar com tudo, ou seja, para
uma grande comunicabilidade. Até mesmo a mídia tradicional, o rádio e a
TV, que já digitalizam os seus conteúdos, agora estão digitalizando as
suas transmissões.
O avanço da digitalização atingiu uma fase que tem sido chamada de
convergência digital. O que é isso? Mais do que a possibilidade de os
conteúdos serem acessados por diversos tipos de aparelhos, a
convergência digital permite que os grupos sociais que apostam na
interatividade possam avançar suas práticas e ampliar os espaços para
as suas idéias. Um desses grupos lançou o projeto Miro. É mais uma
articulação de pessoas que defendem o livre compartilhamento do
conhecimento e da cultura. Entre os criadores do Miro temos Cory
Doctorow, blogueiro, jornalista e escritor de ficção científica,
co-editor do blog Boing Boing, e um dos principais defensores do
Creative Commons e da economia da pós-escassez.
Mas o que é o projeto Miro? É uma plataforma em software
livre para assistir e programar uma grade de vídeos no computador. Miro
é a TV digital open source (de código aberto). Criada pela
Participatory Culture Foundation (algo como a Fundação da Cultura
Participativa), Miro trabalha com a idéia de usar o RSS (Web syndication
ou agregador e distribuidor de conteúdos digitais) e o suporte
BitTorrent para buscar vídeos de alta definição que não podem ser
vistos simplesmente pelo stream. A tecnologia RSS, escrita em XML, é muito usada em sites de notícias e blogs que são constantemente atualizados. Ela permite que os internautas cadastrem-se nos sites que possuem ‘feeds’ (fontes ou suprimento de) RSS. Assim, toda vez que uma mudança ocorrer no site
ou uma nova matéria entrar na página, o internauta receberá o novo
conteúdo. Isso permite que, sem ter que visitar dezenas de jornais, o
internauta possa receber as novas matérias publicadas em todos eles, de
modo automático.
Partindo dessa idéia, Miro permite que você assine os feeds
RSS de diversas web TVs e canais de vídeos que existem na internet.
Assim, as pessoas poderão montar sua própria programação de TV na web,
eliminando intermediários e controladores de grade. Além disso, Miro
permite às pessoas assistirem seus vídeos preferidos independente do
formato do vídeo, Quicktime, WMV, MPEG, AVI, XVID, entre outros. Miro
teve mais de 1 milhões de downloads, em 2006, e tudo indica que
terá mais de 3 milhões, este ano. Os produtores de vídeo que querem ser
conhecidos, que buscam mostrar seus trabalhos o mais amplamente
possível, precisam dispor um feed RSS de vídeo em seus sites.
Assim, os milhões de internautas que já estão usando a plataforma Miro
poderão acessar rapidamente esses vídeos.
Contribua
Se prevalecerem os sistemas fechados de distribuição de conteúdo
audiovisual, como o da gigante Comcast ou Joost, os criadores e
produtores ficarão reféns dos seus esquemas de controle. Assim, os
milhares de produtores independentes de vídeos, filmes e animações,
estariam submetidos ao bloqueio de um ou dois grupos econômicos que
possuem um modelo de negócio único. Em contraposição a isso, o vídeo
RSS assegura aos criadores do audiovisual um caminho aberto para a
distribuição de vídeos de alta definição. Independente do conteúdo, a
Participatory Culture Foundation considera absolutamente fundamental
que a produção de filmes, programas, documentários não acabe controlada
pelos sistemas de distribuição proprietária dos oligopólios do
entretenimento.
No site do Miro está escrito “Não deixe que a Microsoft ou
a Comcast decidam quais videos você pode assistir”. A comunidade que
desenvolve o Miro precisa de apoio. Eles dizem: “Miro é parte de uma
luta para manter aberto o espaço para o vídeo online”. Que luta
é essa? Dezenas de grandes corporações estão tentando aprisionar os
criadores de vídeo e seus leitores em sistemas proprietários de
distribuição. Para eles, tal modelo é uma forma inteligente de fazer
dinheiro, uma vez que força os espectadores e criadores a utilizarem
exclusivamente suas ferramentas. Mas esses sistemas também são uma
ameaça direta à liberdade na internet. Para os criadores da Miro, se
essas empresas, atuando como gatekeepers (porteiros digitais),
passam a decidir o que as pessoas podem ou não podem ver, é a liberdade
de expressão no ciberespaço que está ameaçada.
Para baixar Miro, acesse www.getmiro.com/download/#linux,
para as distribuições Linux Ubuntu, Fedora, Debian e Gentoo. Também é
possível instalá-lo em Mac OS X e até em Windows. É possível apoiar a
comunidade Miro, e também ajudar a traduzir Miro e os seus sites e
tutoriais do inglês. Como todo software livre, é fundamental o
apoio da comunidade nos testes, pois a plataforma precisa ser avaliada
em diferentes versões dos sistemas operacionais e máquinas. Os erros ou
bugs encontrados e relatados ajudam a melhorar a plataforma. A
maior parte dos códigos da plataforma Miro foi escrita em Python, mas
existe a necessidade de desenvolvimentos específicos que permitam a ela
trabalhar melhor em Firefox, Xine, explorar com mais eficiência o
BitTorrent, etc. Os estudantes brasileiros de Computação e os
programadores que querem participar da comunidade de software livre podem dar uma grande força para essa luta pela liberdade do audiovisual apoiando o desenvolvimento da plataforma Miro.