Raitéqui – Nasce um partido pirata

O Pirate Party foi criado na Suécia, e suas propostas já contam com núcleos militantes em vários países da Europa. Eles defendem mudanças nas leis de propriedade intelectual e industrial, e o direito à privacidade..


O Pirate Party foi criado na
Suécia, e suas propostas já contam com núcleos militantes em vários
países da Europa. Eles defendem mudanças nas leis de propriedade
intelectual e industrial, e o direito à privacidade..

Sérgio Amadeu da Silveira


Era uma vez um tracker (rastreador, em português). Ele servia para as pessoas encontrarem e baixarem os arquivos de filmes, músicas, softwares, games e outros pacotes digitalizados. O nome dele era incomum, chamava-se “Bahia Pirata” (Pirate Bay, em inglês). Qualquer um podia entrar no site www.thepiratebay.org
e digitar o nome de um filme que estivesse procurando. O tracker
organizava o caminho para as pessoas baixarem os arquivos de vários
computadores espalhados pelo mundo. Ele era o farejador das redes P2P (peer-to-peer).
A pedido da associação de empresas cinematográficas de Hollywood, no
dia 31 de maio de 2006, o governo da Suécia cercou a Bahia Pirata e a
interditou. Os servidores que hospedavam o tracker foram desconectados da internet.

As redes P2P que usam o protocolo BitTorrent permitem que os
internautas baixem arquivos grandes com muito mais velocidade. Isso
acontece porque os arquivos são divididos em pacotes aleatórios e
lançados para as pessoas que estão fazendo o download.
À medida que a pessoa recebe um pacote de bits, contendo pedaços do
arquivo, imediatamente o computador dela passa a oferecer esses
arquivos para outras pessoas. Assim, quanto mais pessoas estiverem
baixando um arquivo, mais rápido ficará o processo, pois cada uma delas
estará recebendo e oferecendo, simultaneamente, pedaços diferentes do
mesmo arquivo. Desse modo, o protocolo BitTorrent dispensa um servidor
central, ou seja, um local onde os arquivos de filmes, softwares e músicas fiquem arquivados. O que existe são trackers,
listas que orientam os computadores a encontrarem os outros
computadores que possuem os arquivos que as pessoas estão buscando.

O BitTorrent nasceu dentro da comunidade GNU para compartilhar softwares livres entre os programadores. Logo seu uso foi descoberto pelos milhões de internautas que queriam trocar MP3, vídeos e games.
Imediatamente, as poderosas associações que defendem a indústria do
entretenimento dos Estados Unidos passaram a atacar o uso dos softwares
que aplicavam o protocolo BitTorrent, tais como o Emule, o LimeWire,
entre outros. Além disso, a cruzada contra a cópia avançou no
mapeamento e perseguição dos trackers no ciberespaço. Foi exatamente nesse contexto que a Bahia Pirata foi atacada.

Hollywood queria a imediata prisão dos “piratas”. Mas, quando a polícia
chegou e olhou os arquivos dos computadores da Bahia Pirata, não
encontrou nenhum game,
vídeo ou música. Encontrou, apenas, nomes e endereços. Seria isso um
crime? Ou ninguém pode saber que eu tenho um determinado arquivo de
MP3? Um empresário estadunidense da indústria de telecom gritou “a
internet é uma grande máquina fotocopiadora e temos que acabar com
isso”. Esse megaempresário é um dos que está por trás da tentativa de
mudança da lei de telecomunicações nos Estados Unidos. Eles querem
quebrar o princípio de que a rede física não pode interferir nos
pacotes de informações que transitam sobre elas. Caso seja aprovada tal
mudança na constituição da internet, as operadoras de telefonia em
aliança com as empresas de Hollywood poderão tentar impedir que pacotes
de dados P2P transitem pelas suas redes.

Plataforma política

A notícia do fechamento da Bahia Pirata correu a Suécia, a Europa e
todo o planeta. Um fato paralelo ganharia importância a partir da ação
repressiva contra o Pirate Bay.
No dia 1º de janeiro de 2006, o sueco Rickard Falkvinge, 34 anos,
ex-líder de projetos da Microsoft, havia fundado um partido político
chamado Partido Pirata (Pirate Party). O partido recebia a média de dez filiações por dia. A partir do fechamento do Pirate Bay, o partido saltou para 500 filiações diárias. O Pirate Party chamou uma manifestação contra o fechamento do Pirate Bay em Estocolmo, no dia 3 de junho. Milhares de pessoas se juntaram para apoiar os jovens do Pirate Bay
e o direito de compartilhar arquivos pela internet. O Partido Pirata
ganhou força entre os jovens. O Partido Verde, o Partido Moderado e o
Partido de Esquerda viram-se forçados a mudar suas posições sobre o copyright
e as patentes. Em outubro, o Partido Pirata sueco atingiu 9.326
membros. A idéia foi se espalhando pelos continentes. Existem núcleos
de formação de partidos piratas nos seguintes países: Austrália, Reino
Unido, França, Itália, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Austria,
Espanha, Rússia, África do Sul, Polônia, Peru, Holanda e Canadá.

O que quer o Partido Pirata? Quer a completa reformulação das leis de propriedade intelectual e industrial, tais como as de copyright
e de patentes. Defende, também, os direitos de privacidade dos
cidadãos, no ciberespaço ou no cotidiano presencial. A Declaração de
Princípios 3.0 do Partido Pirata Espanhol é extremamente esclarecedora:
“As três principais crenças do Partido Pirata são a necessidade de
proteção dos direitos dos cidadãos, da vontade de libertar nossa
cultura e o entendimento de que as patentes e monopólios privados estão
prejudicando a sociedade. A nossa sociedade controlada e submetida à
vigilância de onde praticamente todo o mundo está registrado e em
observação. (…) A democracia pressupõe uma forte proteção aos
direitos dos cidadãos. O copyright foi criado para beneficiar a
sociedade, fomentando atos de criação, desenvolvimento e difusão das
expressões culturais. Para conseguir tais objetivos, necessitamos de um
delicado equilíbrio entre as demandas comuns de disponibilidade e
distribuição, de um lado, e o reconhecimento e remuneração das demandas
criadoras, de outro. Nós denunciamos que o sistema atual de copyright
perdeu este equilíbrio. Uma sociedade onde as expressões culturais e o
conhecimento fossem livres (…) beneficiaria o conjunto da sociedade.
Denunciamos que os abusos gerais e sistemáticos do copyright atual são
contraproducentes a esses propósitos, ao limitar tanto a criação e o
acesso à nossa própria cultura.”

Nas eleições suecas de setembro, o Partido Pirata teve menos de 1% dos
votos, mas, de cada 200 eleitores suecos, um votou na idéia de que a
cultura e o conhecimento devem ser livres. Esse movimento parece que
tem tudo para crescer. O Pirate Bay voltou a funcionar e seus organizadores lançaram um filme: “Steal this Film
(em português, algo como “roube este filme”), que conta como foi essa
história toda e o que eles defendem. Você pode baixar esse filme
(infelizmente ainda não tem legenda em português) do site www.stealthisfilm.com, e ainda colaborar com o roteiro da segunda parte das filmagens que será lançada futuramente. Imperdível.

http://thepiratebay.org — Pirate Bay (Baía Pirata)

www.stealthisfilm.com — Steal this Filme

www2.piratpartiet.se/international/english — Pirate Party (Partido Pirata)