raitéqui – O novo telespectador conectado

O novo telespectador conectado

Metade de entrevistados em pesquisa usa celular enquanto assiste programas de TV
Sergio Amadeu da Silveira

ARede nº 84 – setembro de 2012

UM LEVANTAMENTO realizado nos Estados Unidos pela Princeton Survey Research Associates International, entre 15 de março e 3 de abril deste ano, indica uma mudança importante nos hábitos comunicativos dos estadunidenses. A pesquisa, publicada no site da Pew Internet & American Life Project, recebeu o título de “A ascensão do ‘telespectador conectado’” e constatou cientificamente o que já estamos percebendo nas redes sociais também aqui no Brasil. Milhares de pessoas tuítam e escrevem posts enquanto assistem a novelas, jogos e seriados de TV. A pesquisa que abordarei aqui teve uma amostra de 2.254 adultos residentes nos EUA. As entrevistas ocorreram por telefone, em inglês e em espanhol, com 95% de intervalo de confiança, e margem de erro de 2,4 pontos percentuais.

A primeira constatação relevante foi que aproximadamente a metade dos proprietários de telefones celulares entrevistados utilizam seus aparelhos móveis enquanto assistem a programas de televisão. Essa informação mostra a alteração do comportamento dos telespectadores que já haviam mudado sua relação com a TV a partir do uso do controle remoto, criando facilidades para o zapeamento e as mudanças de canais quando um programa deixa de agradar.

O próprio nome telespectador é cada vez mais inadequado, uma vez que ele adere às tecnologias que permitem maior atuação, superando a passividade ou a aceitação irrestrita da programação lançada no seu canal predileto. O que era uma discussão teórica sobre a recepção não passiva na comunicação de massas agora pode ser verificado nos usos das crescentes novas tecnologias de interação e no avanço da chamada convergência digital.
A pesquisa sobre o ‘telespectador conectado’ captou que 38% dos donos de celulares usam seus telefones para se manter ocupados durante os comerciais ou na quebra de programação daquilo que estavam assistindo. Interessante também é observar que 23% dos entrevistados alegam ter utilizado o celular para trocar mensagens de texto com outra pessoa que estava assistindo o mesmo programa. Essa prática parece estar ocorrendo também no Brasil. Tenho constatado a troca de mensagens de texto, por exemplo, durante os programas dos candidatos a prefeito nos horários eleitorais gratuitos.

Uma grande novidade que a pesquisa revelou e que precisa ser melhor compreendida é que 22% dos pesquisados utilizaram o telefone para verificar se algo que ouviram na televisão era verdade. Esse procedimento de um pouco mais de um quinto dos estadunidenses indica uma tendência de ampliação das possibilidades de confrontação de argumentos e de disseminação de diversas visões sobre assuntos que ganhem repercussão na opinião pública. Uma grande rede de TV terá cada vez mais dificuldades para impor sua visão como expressão de uma verdade única, caso essa tendência de checagem de informação se torne hegemônica entre os cidadãos conectados. Os processos de formação da opinião pública vão se tornando bem mais complexos e aparentemente mais democráticos, uma vez que as redes podem expressar muito melhor a diversidade de visões diante do mundo dominado pela mídia de massas.

Para a felicidade dos publicitários, 20% dos estadunidenses da amostra alegam ter utilizado o celular para visitar um site que foi mencionado na televisão. Essa informação pode trazer novas possibilidades para o comércio eletrônico conectado ao tradicional programa de televisão. Também pode ajudar os criadores e estrategistas de mídia a pensar novos formatos para a TV digital, bem como permitem pensar a criação de aplicativos para aparelhos móveis que facilitem o acompanhamento de programas de TV e reinventem modos de acessar os links para produtos ou para campanhas divulgadas na TV.

A curiosidade sobre o que outros amigos e conhecidos estão falando a respeito de um determinado programa ou notícia televisionada levou 11% dos pesquisados a usar o celular para ver o que os outros estavam dizendo online. A busca pela interação vai gradativamente tornando os telespectadores comentadores em rede. Ou seja, a tendência atual da comunicação é cada vez mais baseada na transformação dos telespectadores em interagentes. Fortalecendo essa tendência, a mesma pesquisa constatou que 11% dos entrevistados postaram seus próprios comentários online sobre um programa que estavam assistindo usando telefones móveis. 

Sergio Amadeu da Silveira é sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação