O DevelopSpace cria condições para que mais pessoas possam contribuir para o avanço nas pesquisas espaciais. Sérgio Amadeu da Silveira
ARede nº55 feveiro de 2010 – “O espaço, a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos, para explorar novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações… Audaciosamente indo aonde nenhum homem jamais esteve!” Assim começava uma das mais geniais séries de ficção do século 20, Star Trek ou Jornada nas Estrelas. A série foi lançada em 1966, quando a “Guerra Fria” podia esquentar e descambar em um confronto nuclear entre estadunidenses e soviéticos. Naquele contexto, Star Trek queria projetar valores de paz e disseminar o sonho de uma humanidade unida em torno das incríveis possibilidades do avanço científico.
No mundo da ficção, a Enterprise era dirigida pelo Capitão James Kirk e navegava pelo espaço sideral na velocidade da luz, a partir do ano 2267. Todavia, o sonho de explorar o universo é antigo e começou a ser concretizado quando a nave Sputnik superou nossa estratosfera, na década de 1950. A história aeroespacial é longa e repleta de desafios, de brilhantismo, de coragem e de tragédias. Se expandiu principalmente na competição entre a ousada pesquisa espacial soviética e a Nasa, agência espacial dos Estados Unidos. Com o fim da “Guerra Fria”, a pesquisa poderia avançar ainda mais, uma vez que todas as informações de interesse militar poderiam ser compartilhadas em benefício da própria ciência. De certo modo, isso ocorreu. A Estação Espacial Internacional, atualmente em construção, segue reunindo conhecimentos de vários países. Incorporou, por exemplo, os experimentos dos então soviéticos sobre os efeitos da falta de gravidade no organismo humano e da longa permanência de homens no espaço.
Entretanto, ainda existe uma série de obstáculos para o livre fluxo do conhecimento científico espacial. São bloqueios econômicos, políticos e militares. Além disso, muitos cientistas perceberam que diversas pessoas no planeta têm competência e saberes relevantes para apoiar a exploração espacial, mas elas não sabem disso e não existem canais para envolvê-las. Por isso, surgiu a comunidade chamada DevelopSpace, que, aplicando os conceitos de código aberto para as atividades espaciais, quer utilizar todo o potencial da inteligência coletiva mundial na tarefa de pesquisar o espaço. No site do DevelopSpace, em inglês, podemos encontrar os fundamentos e motivações da comunidade http://wiki.developspace.net/.
Os pesquisadores Paul D. Wooster, Willard L. Simmons e Wilfried K. Hofstetter escreveram o texto “Opening Space for Humanity: applying Open Source concepts to human space activities” (em português, Espaço aberto para a humanidade: aplicando o conceito de open source nas atividades espaciais), que contém os fundamentos, os objetivos e a dinâmica do DevelopSpace. Sem dúvida, com o fortalecimento do paradigma do open source nos mais variados campos, um grupo de cientistas e estudantes buscou trazer as práticas colaborativas e a ideia de compartilhamento de conhecimento para os empreendimentos espaciais. O modelo open source pode facilmente ser aplicado na área de software espacial, incluindo ferramentas de modelagem, design, testes, navegação e controle de voo. Mas, para o DevelopSpace, a ideia de conhecimento aberto deve ser ampliada para além dos programas de computadores e ser empregada como princípio dirigente da pesquisa e da exploração espaciais.
Wooster, Simmons e Hofstetter argumentam que muitas pessoas ao redor do mundo têm as competências necessárias para auxiliar o avanço da exploração humana e o desenvolvimento das tecnologias espaciais. Não é necessário ser um profissional aeroespacial para contribuir com os aspectos técnicos do desenvolvimento da pesquisa do espaço. São gigantescas as oportunidades para engenheiros mecânicos, engenheiros eletrotécnicos, engenheiros químicos, especialistas em robótica, cientistas da computação, entre muitos outros. Também os mecânicos, soldadores e técnicos podem proporcionar informações valiosas na prototipagem e nos testes de sistemas que estão sendo desenvolvidos. Em muitos casos, os indivíduos com habilidades necessárias poderiam apoiar os inúmeros testes imprescindíveis se os projetos tecnológicos espaciais fossem abertos e se as simulações estivessem acessíveis na web para quem quisesse colaborar. O DevelopSpace quer proporcionar os meios para que as pessoas possam contribuir.
A possibilidade de contribuir pode ser ainda um fator motivador para aqueles que não têm as habilidades necessárias. Pode incentivar os jovens a aprender física, matemática e obter outros conhecimentos essenciais à exploração e ao desenvolvimento tecnológico. A disponibilidade de materiais de código aberto também pode auxiliar os educadores a melhorar suas aulas e dinâmicas educacionais. Aprimora a aprendizagem, uma vez que dissemina todas as informações dos projetos, sem restrições, permitindo assim que os estudantes acessem os detalhes do processo de desenvolvimento tecnológico.
O objetivo maior do DevelopSpace é construir uma sólida e abrangente base técnica para as atividades espaciais. É uma organização sem fins lucrativos, orientada à realização de atividades científicas e educacionais baseadas no compartilhamento dos recursos científicos e técnicos relevantes. DevelopSpace quer assegurar meios para que uma ampla variedade de indivíduos e grupos possam participar da exploração, do desenvolvimento, e da utilização das tecnologias espaciais. Enfim, pretende construir uma comunidade de colaboração para trabalhar a expansão humana no espaço.
GUERRA FRIA
Período de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991).
Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo, considerado um dos maiores defensores e divulgadores do software livre e da inclusão digital no Brasil. Foi precursor dos telecentros na América Latina e presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.