O primeiro passo para superar esse
cenário é a definição de um Plano Nacional de Banda Larga. A troca de
metas foi um bom começo.
As redes de banda larga não
chegam em vários pontos das
periferias. O atendimento, às
vezes, tem de ser via satélite
Como quebrar essa paradigma de cobertura escassa, baixa velocidade e
preços salgados? O primeiro passo é desenhar um Plano Nacional de Banda
Larga, que ganhou seu primeiro contorno com a decisão do governo de
propor às concessionárias de telefonia local trocar a meta de
universalização de construção de postos de serviços de telecomunicações
(PSTs) por extensão da infra-estrutura de banda larga até à porta dos
municípios — esse trecho da rede é chamado de backhaul.
A troca de metas, que levou um longo período para ser negociada e só
entrou efetivamente na agenda do governo em meados do ano, já foi
levada à consulta pública pela Anatel, o órgão regulador das
telecomunicações, e será editada por meio de decreto presidencial,
previsto para dezembro. Com essa medida, o país levará a banda larga
praticamente a todos os municípios, com o investimento compulsório das
concessionárias, estimado em R$ 1 bilhão.
Como fazer para que, a partir da construção do backhaul, a banda
larga seja distribuída no município a um preço justo? A idéia, explica
Cezar Alvarez, coordenador das ações de inclusão digital do governo
federal e integrante do grupo de trabalho, é adotar medidas
regulatórias que obriguem as concessionárias a fazer ao menos a
separação contábil do backhaul, o que vai permitir aos demais
provedores interessados em fornecer o acesso à ultima milha comprar
capacidade de banda larga da concessionária a preços justos e
isonômicos (ou seja, a concessionária é obrigada a ofertar as mesmas
condições para todos os interessados, inclusive para ela mesma).
Separação de rede
A separação da rede é uma reivindicação de todos aqueles que querem
prover acesso à internet na última milha, dentro dos municípios. “A
troca de metas tem de se dar de tal maneira, que seu resultado não seja
a expansão do controle monopolista dessas concessionárias. É preciso
assegurar que os novos entrantes, especialmente aqueles espalhados por
todo o país, tenham oportunidade de comprar em atacado parte dessa
banda e vendê-la no mercado local, gerando mais oferta”, opina Luis
Cuza, presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços
de Telecomunicações Competitivas (Telcomp).
A mesma linha de argumentação foi adotada por João Cox, presidente da
Claro, que inaugurou, em novembro, seu serviço de terceira geração,
oferecendo dados a velocidades superiores a 1 Mbps. O objetivo da Claro
é ser uma opção de acesso à internet na última milha em todas as
cidades onde ofertar o serviço de 3G. Mas o medo dos novos entrantes,
especialmente das empresas que hoje fazem o provimento do acesso à
banda larga (a legislação obriga a contratação, pelo usuário, de um
provedor de acesso distinto da operadora), é tão grande em relação ao
poderio das concessionárias locais, que eles iriam propor, no final de
novembro, o cancelamento da consulta pública da troca de obrigações de
instalação de PSTs pela extensão do backhaul. Segundo Alberto
Jorge de La Rocque, presidente da rede de provedores Global Info, o
pedido foi “referendado por todas as associações de provedores”, que
querem a realização de uma nova consulta pública. Ele afirma que, além
de questionamentos legais, a consulta foi feita a toque de caixa, o que
não teria permitido uma discussão com profundidade.
As chances de sucesso de tal iniciativa eram nulas, porque a troca de
metas de universalização passou a fazer parte da base de sustentação do
futuro Plano Nacional de Banda Larga. E a troca de metas, em que pese
as críticas das concessionárias locais ao aumento da velocidade exigida
do backhaul e a alguns outros itens pontuais da consulta
pública, conta com o seu apoio. “Trata-se, para elas, de um
investimento muito mais produtivo, que pode agregar valor à sua rede,
do que a instalação de PSTs onde vão ter de administrar um parque de
informática que não é o seu negócio”, pondera Roberto Pinto Martins,
secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações,
responsável pelo desenho que levou à proposta da Anatel. “É um negócio
bom para todas as partes, especialmente para o país”, resume Alvarez.
O acerto da medida pode ser medido pelas declarações de Cícero
Olivieri, vice-presidente de engenharia e operações da GVT, uma nova
entrante que atua como “espelho”, na área da Brasil Telecom. “Nosso
foco são os mercados de maior concentração. Para chegar nos municípios
menores, levaria muito tempo. Por isso, foi uma decisão acertada da
Anatel a troca de metas de universalização.”
Investimento paralelo?
Mas o backhaul que resultar da troca de metas, e que vai cobrir
mais de 3 mil municípios, não compõe toda a espinha dorsal do Plano
Nacional de Banda Larga. Ficam faltando os pouco mais de 2 mil
municípios atualmente atendidos por infra-estrutura de banda larga,
seja das concessionárias, em sua grande maioria, seja das operadoras de
cabo ou de outras entrantes. O que acontece nessa região é que, embora
exista infra-estrutura, os preços praticados são livres, pois acesso à
internet é serviço de valor adicionado, portanto, não regulado.
Como só a competição do mercado não está dando conta de resolver a
questão do preço do acesso, pois a competição é muito concentrada nas
regiões ricas das grandes cidades e praticamente não existe nas áreas
periféricas, o governo quer mecanismos para interferir nessa dinâmica.
Há duas alternativas. A primeira delas é atender aos pontos públicos
instalados nesses municípios (escolas, unidades de saúde e segurança,
órgãos de governo nos três níveis) com uma rede de banda larga estatal,
que seria criada a partir da incorporação dos ativos da Eletronet, um backbone de 16 mil quilômetros de cabos ópticos.
A Eletronet foi criada em 1989 como uma joint venture entre a
norte-americana AES e a Lightpar, que reunia várias empresas do Sistema
Eletrobrás. Com o fim da bolha da internet, no início dos anos 90, a
Eletronet começou a patinar, a AES enfrentou sérios problemas
financeiros no exterior, deixou de honrar o acordo de acionistas e saiu
da gestão da Eletronet, assumida pela Lightpar. A Eletronet, embora em
processo de falência, continua em operação — seus clientes são empresas
elétricas e de telecom. Para essa alternativa (a infovia estatal) se
tornar realidade, a Justiça precisa deferir favoravelmente o pedido
feito pela Eletrobrás, de reincorporação dos ativos, sob a alegação de
que a Eletronet não pagou às elétricas pela sua utilização, como previa
o contrato. A expectativa era de que houvesse uma decisão antes do
final do ano.
Outro caminho, que tem a vantagem de não duplicar investimento em backhaul, é encontrar algum mecanismo regulatório que obrigue às concessionárias locais a abrirem seu backhaul.
“Como são redes pré-existentes, isso só pode ser feito em comum acordo
com as operadoras”, observa o conselheiro da Anatel, Pedro Jaime Ziller
de Araújo, um insistente defensor da separação (estrutural ou
funcional) das redes. Qual é o pulo do gato ainda não se sabe, mas,
certamente, para as próprias concessionárias locais, não será bom
enfrentar a concorrência de uma rede pública, mesmo que ela só vá
atender ao tráfego de dados de pontos públicos. Do que muitos duvidam,
porque esse volume de tráfego dificilmente justificará o investimento e
garantirá os recursos para a manutenção da rede.
Principal artífice, dentro do governo, da construção da infovia
estatal, Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da
Informação do Ministério do Planejamento, diz que já se sentiria
recompensado se o processo parasse por aqui. “Mas não vai parar”,
assegura. A sua satisfação está relacionada com a queda dos preços, que
ele avalia que se acelerou após a retomada das discussões da construção
da infovia estatal, no início do ano passado.
Efeito psicológico
O efeito pode até ter sido mais psicológico do que real, mas é verdade
que o debate mexeu com o mercado e acabou por incomodar as
concessionárias locais. Tanto que apresentaram ao governo uma proposta
para conectarem, elas próprias, todas as escolas públicas e mais outros
pontos, num total de mais de 200 mil pontos. Também a Telebrasil,
entidade que representa toda a indústria de telecom, apresentou sua
proposta, um modelo que utiliza toda a infra-estrutura disponível e no
qual o acesso de última milha às escolas é licitado pelos governos
(seja federal, estadual ou municipal). E o provedor que vencer a
licitação cobra o acesso por aluno, encarregando-se de todo o serviço
(além do acesso, a manutenção das máquinas e software e a renovação do
parque).
Para mostar que, se não houver uma pressão efetiva, o preço da banda
larga não cai, e sem banda larga o Brasil não tem condições de caminhar
em direção à Sociedade da Informação, Santanna relata uma situação
vivida por ele. Quando assumiu o cargo, em 2003, no primeiro governo
Lula, a SLTI pagava R$ 2.048,00 por Mbps/mês. Para enfrentar o poder
monopolista, o governo construiu uma infovia que interliga a Esplanada
dos Ministérios, o que fez o preço cair, naquela época, 136 vezes.
“Pensamos que íamos reduzir o custo para R$ 15,00 por Mbps e
conseguimos chegar a R$ 2,00”, diz ele, convencido de que a infovia
estatal vai representar uma enorme economia de custos, mesmo que
limitada ao tráfego dos dados das grandes redes do governo, sem ter
capilaridade na ponta.
Santanna não se cansa de dizer que, hoje, com as novas tecnologias de
transmissão disponíveis, como o DWDM, e de acesso, como as wireless
(WiMax e WiFi), é possível ofertar banda a um preço muito inferior ao
praticado no país. Fala-se em R$ 450,00 por Mbps determinístico
(efetivamente alocado ao cliente), quando o melhor contrato público que
se conhece é o do Proderj, a empresa de processamento de dados do
Estado do Rio de Janeiro, com a Oi. O valor é de R$ 1.286,00/mês por link de 2 Mbps, e R$ 2,2 mil por link de 10 Mbps.