Recursos para independentes

ProCult, co-produção com TV aberta, Fundo Setorial, TV digital: surgem novas fontes para captação.


ProCult, co-produção com TV aberta, Fundo Setorial, TV digital: surgem novas fontes para captação.


Cena de "Mandrake", parceria
com a HBO.
Se a TV pública entrar no ar com multiprogramação e participação
definida em lei de conteúdos independentes, haverá enorme
diversificação do repertório audiovisual brasileiro. A avaliação é do
diretor-executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes
de Televisão (ABPI-TV), Luiz Alberto Carregosa César. “Se for definido
um patamar mínimo, digamos 30% da grade, ao multiplicarmos o número de
canais por quatro, teremos uma quantidade fantástica de horas a serem
produzidas”, diz ele, lembrando que, atualmente, é ínfima a presença
desse segmento na TV aberta. “Pode ser a última chance de virar o
jogo”. Para essa virada, também estão sendo consolidados, no governo,
mecanismos de financiamento aos independentes — o ProCult, linha de
crédito do BNDES, e a regulamentação, prevista para agosto ou setembro,
do artigo 3-A da Lei do Audiovisual, que fomenta co-produções com TVs
abertas, e do Fundo Setorial do Audiovisual.

O ProCult-Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual está
ativo desde janeiro. São R$ 175 milhões até 2008, destinados à cadeia
do audiovisual: produção (produtoras nacionais independentes),
comercialização (distribuidoras nacionais independentes ou
programadoras nacionais), infra-estrutura (prestadores de serviços) e
exibição (exibidores que atuem no território nacional). Além de taxas
mais baixas, a linha aceita garantias em sistema de “recebíveis”. Ou
seja, o contrato com o banco é vin­­culado às receitas a serem geradas
pelo projeto. Nas duas operações já aprovadas os “recebíveis” foram
percentuais sobre a bilheteria dos cinemas.

Segundo Luciane Fernandes Gorgulho, chefe do departamento de economia
da cultura do BNDES, há cerca de 20 projetos para financiamento — em
análise ou cujos representantes já manifestaram interesse de
contratação. As operações já aprovadas somam R$ 9 milhões — com a
Quanta, em São Paulo, para montagem de um megaestúdio (R$ 7 milhões), e
com a Redecine, no Rio, para construção de salas de cinema na zona
oeste da cidade (R$ 2 milhões). O setor audiovisual, de acordo com o
banco, responde por 5% dos empregos com carteira assinada no país e por
4% do PIB.

Os dois financiamentos aprovados no ProCult são na área de
infra-estrutura e exibição, onde se registra a maior demanda pelo
crédito. Luciane reconhece que, para produtores independentes, o acesso
às contratações ainda é complexo. “As produções, em geral, têm porte
pequeno e perfil de risco muito grande. É importante que os produtores
apresentem os projetos ainda na etapa do roteiro, porque a análise pode
levar três meses”. Ela também destaca que recursos de outras fontes —
como Ancine ou da Petrobras — poderiam constar como receita futura (se
não estiverem liberados) entre as garantias a serem dadas ao banco. Um
dos complicadores para os independentes está nos valores mínimos de
financiamento, ainda altos para a maior parte dos filmes. A regra geral
do BNDES para apoio direto é financiar no mínimo R$ 10 milhões, total
que cai a R$ 1 milhão no ProCult. Os orçamentos integrais dos filmes,
contudo, variam, em média, de R$ 800 mil a R$ 8 milhões. Em
compensação, avisa Luciane, micros, pequenas e médias empresas podem
ter 100% do projeto financiado.


Cena de "Filhos do Carnaval"
outro resultado de co-produção.

Em outra estratégia para fortalecer o audiovisual independente, a
Ancine elabora um novo incentivo fiscal para estimular as co-produções
na TV aberta. O artigo 3-A da Lei do Audiovisual (8.685/93) vai
permitir que as TVs abertas possam destinar a produções independentes
nacionais um percentual do que remetem ao exterior na compra de
programação estrangeira. “A agência estima que esse mecanismo vá gerar
um aporte, para os produtores, entre R$ 40 milhões e R$ 45 milhões em
um ano”, diz o diretor da ABPI-TV.

Co-produções já acontecem por meio de dois instrumentos legais, que se
aplicam, contudo, apenas às distribuidoras (e só para filmes de cinema,
não televisivos) e às TVs pagas (e não às abertas). Pelo artigo 3º da
Lei do Audiovisual, as majors
(distribuidoras vinculadas aos grandes estúdios internacionais) podem
abater 70% do imposto incidente na remessa de lucros e dividendos com a
exploração de produtos estrangeiros no país, desde que os recursos
sejam investidos na co-produção de filmes brasileiros independentes. As
programadoras internacionais de TV por assinatura, por sua vez, de
acordo com o artigo 39 da MP 2.228/01, podem destinar 3% do valor do IR
sobre o seu pagamento de royalties para produções independentes.

Foram os casos de “Mandrake”, da Conspiração (que tem entre os 15
sócios Lula Buarque de Hollanda, Carolina Jabor, Cláudio Torres), ou da
série “Filhos do Carnaval”, da O2 Filmes (Fernando Meirelles e Paulo
Morelli), criados com incentivo do artigo 39, numa parceria com a HBO.
Desde que está ativo (2003), o artigo 39 direcionou cerca de R$ 60
milhões das TVs pagas para a produção independente. O que se pretende,
com o artigo 3-A da Lei do Audiovisual, é criar modelo similar para a
TV aberta. Os recursos serão aplicados no Fundo Setorial do
Audiovisual, criado pela Lei 11.437 (sancionada no final de 2006), em
fase de regulamentação.

Esses incentivos fiscais têm foco na produção, o que não garante solução para o gargalo da distribuição. Nas co-produções das majors,
essas empresas tornam-se determinantes para os filmes, mas firmam
contratos de distribuição que favorecem seus títulos internacionais, em
detrimento do conteúdo local. “Estamos estudando um novo mecanismo para
apoiar as distribuidoras nacionais, dando-lhes maior poder de barganha.
O que se espera é que elas tenham mais interesse em distribuir o filme
nacional”, afirma Luciane.

TV digital

No ProTVD, linha do BNDES para apoio à TV digital, cerca de 95% são
para financiamento à infra-estrutura. O restante, contudo, destina-se a
conteúdos digitais nacionais. E as condições de financiamento para as
televisões são mais favoráveis quando a emissora comprar produções de
terceiros. No caso de produção própria, o BNDES financia até 60% do
investimento, cobrando Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) mais 3%; mas
financia até 90%, com TJLP mais 1%, se a emissora contratar um produto
independente.

Uma parceria excepcional

A TV comercial aberta, no Brasil, diz Luiz Alberto Carregosa César, da
ABPI-TV, praticamente não consome produtos independentes. “Estamos no
estágio da terceirização de produção.” Ou seja, os projetos são
elaborados dentro das emissoras, que contratam uma produtora para
realizá-los, sem, contudo, transferir a autoria. Uma exceção é o
programa Documenta Brasil, que começa a ser veiculado este mês, no SBT.

O projeto é realização conjunta ABPI-TV, MinC, Petrobras (R$ 2,5
milhões de patrocínio para quatro produções selecionadas em concurso
público) e SBT (deu o equivalente ao valor patrocinado pela estatal em
mídia). Foram avaliadas 269 obras, e indicadas as quatro que vão passar
na TV aberta e em cinema digital. Outra prática incomum nessa
iniciativa, além da parceria com a TV aberta, 100% dos direitos
patrimoniais das obras são dos realizadores, que vão, ainda, ratear a
segunda das quatro cotas de patrocínio que o SBT está vendendo.

A ABPI-TV tem 104 associados, em 12 estados. Cerca de 70% deles têm
faturamento anual entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões. Nos últimos 30
meses, o programa de exportação da entidade gerou US$ 34,5 milhões. E
conta com estoque de 120 projetos — orçados em US$ 200 milhões.