Saúde em rede

Agentes comunitários de saúde se apropriam de tecnologias para aprender e produzir conhecimento




Agentes comunitários de saúde se apropriam de tecnologias para aprender e produzir conhecimento               Bárbara Ablas


ARede nº58 maio/2010 –
Uma experiência inovadora está melhorando o atendimento aos pacientes do Programa da Saúde da Família (PSF) em alguns postos de saúde do município de Pedreira, em São Paulo. O acompanhamento dos casos, normalmente registrado em planilhas e prontuários médicos de papel, passou a ser feito também por meio de equipamentos como computadores portáteis e câmeras de vídeo digitais. Os dados, coletados junto aos moradores durante as visitas dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), vão para um site onde podem ser analisados, em rede, por equipes multidisciplinares de profissionais.

A novidade começou em 2009, com a Re@ge – Rede Virtual de Agentes, projeto de doutorado de Carla Lopes Rodriguez, que cursa Artes Visuais: Cultura Audiovisual e Mídias no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “O meu foco é olhar os recursos audiovisuais como ferramentas para a construção de conhecimentos em uma rede virtual”, explica Carla. Ela lembra que, em 2003, quando ainda cursava o mestrado, conheceu os agentes comunitários do município e começou a pesquisar as possibilidades deles se apropriarem de recursos tecnológicos e aplicar esse conhecimento no trabalho.

Assim foi criada, no ano passado, a Re@ge, que hoje tem 12 participantes, oito dos quais agentes comunitários. O projeto – vencedor do Prêmio Novas formas de aprender, do Instituto Claro, na categoria pós-graduação – abrange três postos de saúde de Pedreira: Jardim Andrade, Jardim Marajoara e Jardim  Triunfo. Além dos agentes, também integram o grupo profissionais das áreas de educação, multimeios e saúde, que atuam como parceiros virtuais, colaborando com a rede e interagindo com o grupo via web.

Além de benefício social para a comunidade de Pedreira, que ganhou um olhar mais aguçado sobre a saúde pública municipal, o projeto abriu as portas da inclusão digital para os agentes. Até então, eles não estavam nem um pouco familiarizados com Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). “Não sabia mexer com nada. Entrei no projeto porque queria aprender a usar esses aparelhos, trabalhar com tecnologia em campo e me comunicar com outros agentes pela internet”, comenta Angela Silvana Bridi Nunes, 30, agente de saúde do posto Jardim Andrade. 

Na primeira fase do Re@ge, de junho a dezembro de 2009, 15 agentes participaram de oficinas de “apropriação crítica e criativa de recursos tecnológicos”, realizadas no  telecentro Vila Monte Alegre, onde acontecem as reuniões presenciais do grupo. Depois, os agentes saíram para a rua em duplas, para fazer registros do cotidiano dos moradores. Começaram utilizando um aparelho MP5 e uma câmera digital, que eram revezados entre o grupo. Os equipamentos foram comprados com verba da Fapesp.

Com áudios e vídeos gravados durante o trabalho, surgiu a possibilidade de aproveitar o material para melhorar a prática profissional. Ao escutar suas próprias falas e assistir suas atuações, os agentes puderam analisar seus desempenhos em campo. Observaram detalhes como a maneira de falar e até de gesticular junto aos pacientes, levando em conta a necessidade fazê-los entender a orientação de saúde que estava sendo passada.

Nessa etapa, o grupo produziu o folheto informativo Re@ge Orient@, com fotos e textos sobre a atuação das equipes do PSF junto às famílias de Pedreira. O material ainda não foi impresso por falta de patrocínio, mas a ideia é distribuí-lo em postos, escolas, bibliotecas e outros espaços públicos do município.

Em fevereiro de 2010, cada agente participante do Re@ge ganhou um MP6 e os três postos de saúde envolvidos no projeto foram equipados com netbooks e câmeras digitais – tudo adquirido com o dinheiro do prêmio do Instituo Claro, de R$ 16 mil. Aí começou a segunda fase projeto, que vai até dezembro de 2010. Por meio dos netbooks, os agentes se comunicam com colegas dos outros postos. Fazem videoconferência e trocam informações pela internet por conexão wireless (rádio), viabilizada pela Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia. O conteúdo dos registros feitos em campo é postado na internet e assistido por agentes, enfermeiros e médicos.

Ambiente virtual
Inicialmente, o Re@ge e o conteúdo produzido pelos agentes estavam no ambiente de educação a distância (EAD) Tidia-Ae/Sakai, hospedado no servidor do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa-Ação para Comunidades Saudáveis (LIPACS), da Unicamp (www.lipacs.iar.unicamp.br). Porém, o ambiente EAD não é adequado à proposta do projeto. “A plataforma de educação a distância até oferece ferramentas colaborativas, mas não tem estrutura de rede social. É mais formal. E o objetivo do projeto não é ser aula ou curso. A ideia é que os agentes se apropriem da rede”, aponta Carla.

Para divulgar o trabalho dos agentes e integrar o grupo e a comunidade, também foi utilizada a rede social Vila na Rede (www.vilanarede.org.br), voltada à inclusão digital, e que já existia antes do Re@ge. Essa plataforma foi utilizada pelo educador físico Cristian Henrique Marino, 32, que atua junto às equipes do PSF. Ele ministra aulas para grupos de terceira idade. E aproveitou a ferramenta para abordar a questão dos exercícios físicos nessa faixa etária: “Comecei a postar textos sobre obesidade e osteoporose. As pessoas vão lendo, comentando e eu vou esclarecendo dúvidas”. A intenção de Marino no Re@ge é construir uma Central de Mídias (áudio, vídeo e fotos) com conteúdo voltado para terceira idade. Inicialmente, ele está gravando um CD para idosos, tratando do tema relaxamento.

Este ano, em busca de mais interatividade, o Re@ge migrou para o Ning (http://reagindo.ning.com), uma plataforma que permite criar gratuitamente redes sociais personalizadas, e que oferece mais recursos .

O X da questão
Toda essa tecnologia está a serviço de um objetivo social, que é a promoção da saúde e da educação na cidade de Pedreira. “Com o conteúdo, queremos chegar na ação preventiva. É esse o papel dos agentes e são eles que têm inserção na comunidade”, diz Carla. Bruno Ecavellucci, médico do Hospital São Paulo, que atua no Re@ge como parceiro virtual, concorda: “Os agentes sabem das dificuldades e do que se passa na essência da comunidade. Por isso, podem trazer para a rede a realidade que acompanham”. 

Carla explica que, na segunda fase do Re@ge, foi adotada uma metodologia de trabalho baseada em projetos. Ou seja, a pessoa é envolvida no problema e estimulada a buscar soluções, tornando-se sujeito do próprio conhecimento. A metodologia foi aplicada pela pesquisadora convidada do projeto, Lia Cavellucci, que acompanha a rede. Assim, cada dupla de agentes escolheu um tema para trabalhar, relacionado à realidade do bairro onde atua. Hipertensão, gravidez na adolescência e prática de exercícios para idosos são alguns dos projetos que estão sendo tocados pelos ACS do Re@ge.

Uma das etapas do processo foi a elaboração coletiva dos questionários que servem de roteiro nas entrevistas com a população. Os questionários ficam online na rede Ning e são atualizados conforme o amadurecimento do grupo. A intenção é que esse material de investigação seja cada vez mais refinado, por meio da rede, com a troca de experiências entre os agentes e outros profissionais da saúde.

A agente Eliana Zamara, 39, que atua no posto Jardim Andrade, está trabalhando com o tema hipertensão: “Aparecem muitos casos aqui. Diabetes também é comum”. Para prevenir a expansão da doença, o trabalho dela é orientar a população, por exemplo, sobre os cuidados com alimentação. E, quando a doença já existe, o paciente também pode servir como modelo para a aprendizagem coletiva no Re@ge. É o caso da aposentada Benedita Aparecida Godoi, 60, que sofre de hipertensão. A saúde da moradora melhorou depois que ela começou a participar das atividades com o educador físico Marino. “O colesterol abaixou”, comemora Benedita.  

Ao ser convidada a participar do Re@ge, Elisabeth da Silva, 52, aceitou dividir sua experiência de dez anos no posto de saúde do Jardim Marajoara, onde estuda o crescimento do número de adolescentes e jovens grávidas. Além da rotina profissional, Elisabeth tem a missão de coletar dados que serão utilizados no ambiente virtual do Re@ge. Para o agente Wellington Semensin da Silva, 24, falta conscientização da parte dos adolescentes, que têm acesso a preservativos e anticoncepcionais nos postos. “O pensamento é de que não vai acontecer com eles, então não se previnem. Por isso, acho que informação nunca é demais”.

Camila Aparecida de Jesus, 19, é mãe de um bebê de três meses. Ela frequentava o posto do Jardim Marajoara, recebia orientações dos agentes, mas a gravidez não planejada aconteceu. Ela topou relatar sua história para os agentes do Re@ge. “Espero que outras jovens pensem bem antes de engravidar porque ter um filho não é fácil”, alerta Camila. Para o futuro, está em desenvolvimento um game que vai tratar de sexualidade e gravidez precoce. O jogo apresentará diversos caminhos que mostrarão consequências, de acordo com as escolhas feitas – por exemplo, a interrupção dos estudos por causa da gravidez fora de hora. A expectativa é a de distribuir o jogo em escolas e telecentros.  Esse é um pequeno indicador de que, apesar de o Doutorado da pesquisadora Clara estar previsto para terminar em 2011, o Re@ge prosseguirá, em campo e na rede. Mais que isso, os ACS estão animados a expandir o projeto para outros postos de saúde da cidade.

http://projetoreage.blogspot.com

Telecentro ativo
O telecentro Vila Monte Alegre, inaugurado em setembro de 2008, atende mensalmente cerca de 1.300 pessoas que buscam acesso à internet e conhecimentos digitais. Mantido pela prefeitura de Pedreira, tem conexão Gesac (programa do Governo Federal de acesso à internet via satélite). Além da parceria com o Re@ge, o telecentro desenvolve outros projetos como inclusão dos Agentes Jovens do município (programa da Secretaria de Promoção Social) e oferece aulas de informática para todas as idades. Em março de 2010, o telecentro apoiou, junto com a Secretaria Municipal de Educação, o cadastramento e inscrição de escolas e alunos das redes municipal e estadual que participaram da Olimpíada Nacional de Informática.
“Alguns professores não sabiam acessar a web”, conta Richardson Joaquim Clara, 32, responsável pelo telecentro. Instrutor de informática, Richardson contribui para a inclusão dos agentes do Re@ge, colaborando no processo de aprendizagem deles. “Há seis anos eu não sabia nem ligar o computador. Comecei a aprender com a pesquisadora Carla, quando ela iniciou sua pesquisa no município. Hoje, quem ensina sou eu”, lembra.