Serviço de saúde pertinho de casa

Piloto de telessaúde vai equipar 900 pontos de atendimento público com computador, câmera web e conexão à internet para ligar Equipes de Saúde da Família a uma rede de especialistas. O objetivo é evitar deslocamentos dos pacientes e melhorar o atendimento local.

Piloto de telessaúde vai equipar 900 pontos de atendimento público com computador, câmera web e conexão à internet para ligar Equipes de Saúde da Família a uma rede de especialistas. O objetivo é evitar deslocamentos dos pacientes e melhorar o atendimento local.
Leandro Quintanilha e Verônica Couto

O Ministério da Saúde está desenvolvendo um projeto piloto para avaliar a eficiência de tecnologias digitais e de educação a distância na capacitação continuada dos profissionais que atuam na linha de trabalho Saúde da Família. O Projeto Piloto Nacional de Telessaúde em Apoio à Atenção Básica no Brasil, como foi batizado, prevê a instalação de 900 pontos — Unidades Básicas de Saúde (UBS) — até o final do ano, equipados para prestar serviços de teleassistência, teleducação e segunda opinião formativa para 2,7 mil equipes ou 10% do total de equipes em ação na Saúde da Família.


Crianças moradoras da Estrutural,
na periferia do Distrito Federal,
aguardam atendimento médico
durante ação do projeto Família
Legal.

Essa rede piloto teria capacidade para beneficiar 11 milhões de pessoas, estima Ana Estela Haddad, coordenadora nacional do projeto no Ministério da Saúde. Até o final de maio, 490 cidades haviam sido selecionadas. No Ceará, uma vez por semana, uma dermatologista voluntária da Faculdade de Medicina da Federal do estado (a UFCE) senta-se durante duas horas em frente ao computador e, por meio de imagens enviadas por webcams, vai ajudando os médicos generalistas de municí­pios cearenses a formarem diagnósticos sobre problemas de pele.

Os investimentos na iniciativa somam R$ 16 milhões, do orçamento da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde. Para a prorrogação do prazo de execução até 2009, devem ser autorizados mais R$ 10 milhões. Integram o piloto nove estados, cada um deles responsável por cem pontos ou Unidades Básicas de Saúde (UBSs), munidas de computador, câmera web, conteúdos digitais. Para compra desses equipamentos, o Ministério transfere cerca de R$ 1,8 milhão (em duas parcelas) à instituição que responde pelo núcleo estadual.

A seleção dos estados, diz Ana Estela, priorizou aqueles com experiência em telemedicina: Amazonas, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. “Além disso, foi escolhido pelo menos um estado em cada região  para avaliar as distintas características regionais. E a escolha dos municípios seguiu critérios da portaria nº 35, de 2007, pactuada nos Cosems (Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde)”, como, por exemplo, grande densidade demográfica.

Para ganharem uma UBS com telessaúde, as cidades precisam ser capazes de arcar com a conexão à internet em banda larga. “Em princípio, a idéia é que a conexão seja uma contrapartida. Os núcleos responsáveis orientam os municípios a obterem o melhor resultado possível. Em regiões onde os recursos tecnológicos são fatores problemáticos, como na amazônica, os núcleos atuam com interlocutores, na articulação para encontrar soluções de comunicação”, afirma Ana Estela.

O professor Chao Lung Wen, chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, que também atua no comitê executivo do piloto e  coordena o núcleo paulista do projeto, adianta que quer “colocar na pauta, com o Ministério da Educação (MEC), como compartilhar com as equipes de Saúde da Família o acesso em banda larga das escolas”, negociado com as operadoras de telefonia fixa. Atualmente, ele lembra que, em áreas sem infra-estrutura de conexão, o Gesac-Governo Eletrônico Serviço de Apoio ao Cidadão, do Ministério das  Comunicações, e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), concebido na Presidência da República e nos Ministérios da Defesa e da Aeronáutica, cedem links de acesso via satélite. “A intenção é interagir com as diversas iniciativas governamentais para provocar sinergia e não duplicação de esforços”, explica Chao.

Uma vez que as cidades tenham como conectar as Unidades Básicas de Saúde à internet, elas (cem por estado) vão se ligar ao seu núcleo estadual, geralmente em uma universidade ou centro de pesquisa. Esse núcleo, então, conecta-se aos demais núcleos estaduais em alta velocidade por meio do backbone da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e da Rute, mediante termo de cooperação firmado com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Os nove núcleos integram uma rede de videoconferência e fornecem informações para o Ministério da Saúde — em tempo real e em banda muito larga. Uma das missões desses nove núcleos iniciais é fomentar outros centros irradiadores, nos 18 estados que não foram contemplados no piloto. “Para interagir com os nove núcleos, a RNP vai implementar mais 32 pontos no país: Alagoas, Paraná, Pará, etc.”, conta Chao.

Saúde da Família


Maíza de Souza e Matheus:
"uma tranqüilidade".

A estratégia Saúde da Família dispõe, na sua totalidade, conforme dados de fevereiro, de 27.899 equipes que atendem, em média, cada uma, 4 mil pessoas. Isso significa, segundo Heitor Tognoli e Silva, assessor do gabinete de Atenção Básica do Ministério da Saúde, uma cobertura de “quase 50% no país inteiro”, ou 89.100.369 pessoas — 47,1% da população. A meta, diz ele, é atingir 70% da população até 2011. Em cada UBS, ou ponto da rede, participam do programa três Equipes de Saúde da Família (ESF). Uma equipe tem, em geral, seis agentes comunitários, dentista, técnico-auxiliar de consultório e técnico de higiene dentária, além de um médico generalista e uma ou duas enfermeiras.

A idéia é que essa equipe atue diretamente na comunidade, dedicada à prevenção e ao atendimento de doenças que podem ser resolvidas e diagnosticadas sem necessidade de deslocamento a hospitais. Ou seja, aconselhamento nutri­cional, saúde bucal, lombalgia, diabetes, gripes, hipertensão arterial, asma, câncer de mama (exames preventivos), hepatites virais, tuberculose, hanseníase, DSTs, dependência a álcool, doenças infecto-contagiosas, etc.

De acordo com o pesquisador e consultor da Fiocruz em Brasília Flávio Goulart, a estratégia Saúde da Família está baseada em quatro eixos: o trabalho com as famílias e não só com o indivíduo; a visita ao domicílio das pessoas da comunidade; o trabalho em equipe, em que se destacam não só o médico, mas os agentes comunitários, muitas vezes os únicos capazes de entrar e sair de áreas conflagradas (por exemplo, em periferias de grandes metrópoles); e o trabalho com referência territorial e geoprocessamento, a partir de mapas e microáreas, fartamente documentado. A telessaúde entra, principalmente, para qualificar a formação dessa equipe, e para permitir acesso à informação e à opinião de especialistas que estão distantes.

Segundo Ana Estela, do Ministério da Saúde, está sendo feito um estudo sobre a redução de custos com deslocamento de pacientes em municípios que integram o piloto em Minas Gerais. Resultados parciais demonstram que, para as cidades estudadas, a redução, em média, de cinco encaminhamentos/mês, por município, ou 1,6% dos encaminhamentos evitados pela tecnologia de telessaúde, basta para cobrir os custos operacionais do sistema. “Pode-se concluir que são fatores importantes para viabilizar um sistema de telessaúde aplicado à Atenção Básica”, diz.

Ação conjunta nos estados de São Paulo e Amazonas permitiu realizar 250 atendimentos em Parintins (AM), o que evitou o deslocamento de pacientes que teriam de percorrer 350 quilômetros em linha reta, em viagem aérea, ou passar 18 horas dentro de um barco. Em São Paulo, a qualificação de 20 pessoas em temas de saúde promoveu a replicação do conhecimento para outras mil, numa taxa de 1 para 50.

Segundo o professor Chao, o piloto está “desenvolvendo um modelo para provar que as tecnologias de telemedicina e telessaúde podem melhorar a eficiência das ações nas comunidades, por meio da qualificação das Equipes de Saúde da Família,  evitando deslocamentos desnecessários”. Ou seja, juntar, pela rede, o saber local do generalista, que conhece o paciente e sua rotina de vida, à ciência de especialistas, estejam onde estiverem. “O propósito é construir uma rede de colaboração, que permita melhorar a dinâmica e otimizar esse processo de atendimento e atenção.”

Há cursos a distância para as equipes locais, acesso à TV Saúde, da Fiocruz, que, semanalmente, exibe um programa de teledermatologia, e conteúdos especiais, como o Homem Virtual, projeto do núcleo de São Paulo, mas que é  fornecido, em DVD, para os outros estados. Também da USP são os vídeos sobre Hanseníase que serão usados na região amazônica para uma campanha de esclarecimento. “Fizemos um curso em Manaus e em Parintins; agora, vamos ampliar a ação, levando os vídeos para passar nos barcos”, explica Chao.

As iniciativas em cada estado não são as mesmas. Se, no Ceará, destaca-se a dermatologia e o tele-eletrocardiograma, o Rio Grande do Sul foi premiado por seu trabalho com a figura do “Médico de família”. O piloto conta com um portal na internet, o Telessaúde Brasil, que traz link para a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), mantida pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme). O próximo passo, em 2009, será a avaliação do piloto e o estudo de viabilidade para sua ampliação em escala nacional, afirma Ana Estela.

Pioneirismo no Rio

As atividades de telessaúde da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) começaram em 2003, três anos antes do programa federal. Na Uerj, a iniciativa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Hospital Universitário Pedro Ernesto contou com suporte tecnológico do Laboratório de Informática Médica, o L@mpada. Em 2006, já com representatividade na Comissão Permanente de Telessaúde do Ministério da Saúde, a universidade foi integrada à Rede Universitária de Telessaúde (Rute), da RNP, vinculada ao MCT. Desde então, a Uerj ajuda o governo federal na implantação de novos núcleos de telessaúde Brasil afora. As Unidades Acadêmicas da Uerj têm tradição em ações docente-assistenciais na assistência primária. Há 30 anos, a universidade foi uma das instituições pioneiras na estruturação da residência em Medicina de Família e Comunidade no Brasil, por meio do Serviço de Medicina Integral (hoje Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da FCM). Na mesma época, a faculdade iniciou o ensino de Medicina Ambulatorial. O Núcleo de Telessaúde conta com 30 pessoas, entre professores, médicos, enfermeiros, alunos de graduação e pós, odontólogos, nutricionistas e profissionais de informática, além de agentes comunitários. O princípio é combinar ações de educação a distância com prestação de serviços (teleconsultoria, segunda opinião e reuniões virtuais). O sistema já foi implantado em 12 municípios, segundo a médica radiologista Alexandra Monteiro, coordenadora do Núcleo de Telessaúde do Rio de Janeiro.

www.lampada.uerj.br/telessaude

Prêmio gaúcho

O Núcleo de Telessaúde do Rio Grande do Sul foi o tema do trabalho que ficou em primeiro lugar no 9º Congresso Brasileiro de Medicina da Família e Comunidade, realizado em Fortaleza, de 1 a 4 de maio. O núcleo gaúcho é uma iniciativa de 2005 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que começou a funcionar já na fase preparatória do Projeto Nacional de Telessaúde (PNT), em março de 2007. O congresso que deu o prêmio ao trabalho dos gaúchos, intitulado ‘Projeto Telessaúde em Apoio a Atenção Primária à Saúde no Brasil’, contou com cerca de 2,5 mil participantes e teve mais de 1,5 mil trabalhos avaliados. Segundo o médico Eno Dias de Castro Filho, um dos autores do trabalho e membro da coordenação do núcleo na UFRGS, a tecnologia é usada exclusivamente para a educação contínua das equipes e para segunda opinião clínica.

Estima-se que o núcleo gaúcho já tenha respondido mais de 200 consultorias em pouco mais de um ano. “Em geral, uma de cada duas dúvidas respondidas evita um encaminhamento aos centros maiores”, calcula. A equipe do núcleo é composta por profissionais da UFRGS e do Hospital Nossa Senhora da Conceição, de Porto Alegre. O objetivo é que o Telessaúde RS atinja cem pontos no interior. Mas Castro Filho preocupa-se com a manutenção do projeto no correr das décadas. Ele lembra que o PNT está definido como um ‘piloto em teste’ pelo Ministério da Saúde. E ressalta a importância de um padrão de financiamento de longo prazo, que permita o ajustamento e a expansão das atuais atividades do projeto no país.

www.ufrgs.br/telessauders

Bahia: caçula da rede.

O Núcleo de Telessaúde da Bahia é o caçula da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), iniciativa da RNP/MCT. Foi inaugurado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), no dia 8 de maio, mesma data de criação no local do Grupo Especial de Interesse em Saúde da Criança e do Adolescente. Este será o foco inicial do núcleo baiano, como explica a médica pediatra e gastroenterologista infantil Suzy Santana Cavalcante, coordenadora geral da Rute na UFBA e dos trabalhos de telessaúde da universidade.

O objetivo é usar a infra-estrutura da Rute para debates sobre temas afins. A questão da violência contra crianças e adolescentes deve abrir a agenda de videoconferências do grupo, nos níveis nacional e internacional, em coordenação conjunta da UFBA com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

No Brasil, o grupo especial de interesse (ou SIG, na sigla em inglês) tem como parceiros nacionais a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca), além de instituições internacionais. Suzy Cavalcante afirma que, embora muitos municípios não tenham infra-estrutura para  videoconferências, as atividades de telessaúde podem ser realizadas mesmo sem internet de banda larga. A simples troca de e-mails associada a chats e telefonia IP podem ser importantes para consultoria, segunda opinião e diagnóstico em casos mais complexos. O Núcleo Universitário de Telessaúde da Bahia funciona no Complexo Hupes. Apesar de o foco inicial ser a pediatria, todas as especialidades médicas serão atendidas.

www.ufba.br



Centro de serviços em Goiás

As atividades de telemedicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) começaram em 2005, por meio de uma disciplina extracurricular. Recebia um aluno por mês, com carga horária de oito horas diárias em 22 dias. Com o Projeto Nacional de Telessaúde (PNT), a disciplina optativa foi transformada no Núcleo de Telemedicina e Telessaúde da UFG, ou Núcleo Goiás, com previsão de atendimento a dez pontos de Goiânia, outros dez na região metropolitana da capital e mais 82 no interior.  Até o momento, já são atendidos 69 municípios, segundo o médico e professor Alexandre Taleb, coordenador das atividades.

Há três critérios principais de inclusão: o município candidato deve ter ao menos três Equipes de Saúde da Família, IDH inferior a 0,500 e barreiras geográficas de acesso. O Núcleo Goiás é uma iniciativa da Faculdade de Medicina que conta com a cooperação das Faculdades  de Enfermagem, de Odontologia e da Escola de Engenharia Elétrica e Computação, todas da UFG. Goiás tem 247 municípios. Para Taleb, a maior dificuldade é a ausência ou ineficácia das conexões de internet.

Assim como ocorre em outros estados, essa é uma contrapartida municipal imprescindível à prestação dos serviços. “Além de garantir a viabilidade técnica, funciona como uma indicação de compromisso da gestão local”, acrescenta o coordenador. No atendimento, os carros-chefes do Núcleo Goiás são a segunda opinião médica a distância, a teleondotologia e o estudo em grupo de exames cardiológicos, chamado de tele-eletrocardiologia. O Núcleo de Telemedicina e Telessaúde da UFG também realiza cursos rápidos presenciais (de oito horas, sempre em Goiânia) para preparar profissionais que vão atuar na área, como médicos, enfermeiros e operadores técnicos. A capacitação acontece bimestralmente no ritmo de inclusão de novos municípios.

www.tele.medicina.ufg.br


www.telessaudebrasil.org.br