Setor Privado – Capacitação e formação | Escrevendo com escritor | Instituto Francisca de Souza Peixoto

Meu querido escritor

Com um projeto pedagógico consistente e criativo, a internet ajuda estudantes da rede pública a perceber o prazer da leitura
Bárbara Ablas

 

ARede nº 94 – especial novembro de 2013

Era uma vez um grupo de estudantes do município de Cataguases, em Minas Gerais. Certo dia, a professora mostrou a eles um livro para lerem juntos. Depois, começaram a bater papo, pela internet, com o autor. Ler, assim, foi ficando cada vez mais divertido e interessante. Até escreveram histórias a muitas mãos, pela rede. O tempo passou e a relação a distância acabou. O escritor apareceu na cidade para conhecer a turma e dar autógrafos. Assim, todos ficaram muito felizes e ansiosos pela próxima visita.

É dessa forma, contando histórias com o apoio de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que o projeto Escrevendo com Escritor vem conquistando estudantes do 1° ao 9° ano do ensino fundamental de escolas públicas de Cataguases. A iniciativa é do Instituto Francisco de Souza Peixoto, organização do terceiro setor mantida pela Companhia Industrial Cataguases, fabricante de tecidos de algodão. Iniciado em 2004, o projeto utiliza os recursos tecnológicos da Biblioteca Digital do instituto e tem financiamento da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura (Minc).

A cada semestre, os alunos são convidados a conhecer uma nova obra. Orientados por tutores do instituto e professores das escolas, eles realizam o estudo do livro, da biografia do escritor e se prepararam para recebê-lo na cidade. As atividades incluem trabalhos de artes plásticas, textos e peças de teatro baseadas nos livros. O projeto já beneficiou aproximadamente 13 mil pessoas da comunidade, entre estudantes e educadores, afirma Andrea Toledo, coordenadora do Escrevendo com Escritor: “A cada edição são contempladas seis escolas da cidade e região, inclusive da zona rural”.

“Além do incentivo à leitura, outro ponto que o projeto trabalha é a desmistificação do escritor. Ou seja, a criança e o adolescente têm a oportunidade de estabelecer uma relação de igual para igual com os autores”, avalia Marcelo Peixoto, gestor executivo da iniciativa. Os autores convidados são de diversos lugares do país e viajam com as despesas de hospedagem, alimentação e transporte pagas pelo projeto. Até agora, 17 convidados, entre autores e ilustradores dos livros, já visitaram as escolas da cidade.

“Foi uma grande surpresa. Tinha até faixa de boas-vindas, me senti um pop star”, relembra o escritor José Santos. Para o autor mineiro, que tem 15 livros publicados e cerca de 350 mil exemplares vendidos, o tamanho do evento e a dedicação dos responsáveis impressiona: “Às vezes vou a lugares com meu livro e ninguém leu ou sabe do que se trata. Os alunos em Cataguases tinham perguntas efetivas para fazer a partir do estudo do texto”. Um sucesso que desde o início tem atraído os escritores. “O resultado rendeu um boca a boca interessante entre os autores”, comenta Santos, que também é coordenador de projetos especiais do Museu da Pessoa, em São Paulo (SP).

Os alunos utilizam um blog onde trocam mensagens entre eles e com os escritores. Também postam textos, poemas, poesias e fazem pelejas virtuais, que são embates em versos – como fazem os repentistas. Com o apoio da Biblioteca Digital, os grupos produzem vídeos com mensagens para os escritores, fazem conferências via Skype. E o melhor: criam histórias de maneira colaborativa, com temas sugeridos pelos escritores.

“Comecei uma história sobre um príncipe muito feio e tímido, mas gente boa, que queria casar. As crianças continuaram a escrever e pediram um final feliz. Terminei deixando no ar o que aconteceu. Mas elas concordaram com o final. Não é de cima para baixo a relação”, brinca o escritor carioca Álvaro Ottoni. Com 31 anos de carreira, ele acaba de lançar seu 29° livro e coordena o projeto Chega Mais Leitura, com apoio do governo estadual do Rio Janeiro, que promove atividades de incentivo à leitura em cidades da região serrana do estado. “O Escrevendo com Escritor é sem dúvidas um dos projetos mais importantes dos quais já participei na minha vida. Foi emoção pura”, finaliza Álvaro. 

Os docentes, que recebem capacitação da equipe da Biblioteca Digital, atuam como mediadores do processo. Orientam, por exemplo, as leituras e os recados transmitidos aos escritores em imagem ou texto. O trabalho é interdisciplinar e envolve várias áreas do conhecimento, que relacionam as atividades com os temas abordados nos livros, como meio ambiente, artes e poesia. “Percebemos que a partir do projeto os alunos passaram a se envolver mais com a literatura. Além do virtual, eles procuram mais livros na biblioteca. Até então, o escritor era uma figura no papel”, diz Lenir da Silva Araujo, professora do 5º ano da Escola Estadual Guido Marlière. 

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