A comunidade é bem-vinda na universidade
No laboratório de informática da Universidade de Passo Fundo, aulas para diferentes públicos
Célia Demarchi
ARede nº 75, novembro de 2011 – O Mutirão pela Inclusão Digital, projeto da Universidade de Passo Fundo (RS), começou sem pretensões, em 2004. O objetivo era aproveitar melhor a estrutura do Laboratório Central de Informática, compartilhando-a com estudantes do primeiro ao oitavo anos da rede pública da cidade. Não demorou muito tempo, porém, para que o projeto se firmasse, tornando-se referência de inclusão digital na região, além de objeto de inúmeras pesquisas e dissertações acadêmicas que contribuem para que se desenvolva cada vez mais.
O sucesso do projeto, hoje vinculado ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão Digital do Curso de Ciência da Computação, deve-se à sua abordagem inicial. Desde o primeiro dia, os participantes das oficinas atuavam como “autores”, aprendendo a criar blogs, contas de e-mail. “Em consequência, aprendiam a digitar”, explica Adriano Canabarro Teixeira, fundador e atual coordenador do projeto. “Não se tratava simplesmente de aula de informática”.
Teixeira lembra que, desde o início, o projeto recebe a colaboração de estagiários de graduação no desenvolvimento das oficinas – são seis meses de aula para turmas de 200 a 250 alunos. De início, os estagiários eram apenas do curso de Ciência da Computação. Com o desenvolvimento do projeto e sua expansão, estudantes de outras áreas começaram a perceber na iniciativa um novo espaço para pesquisas. Hoje, alunos de Jornalismo, Pedagogia e Serviço Social também participam. “Nos demos conta da importância de manter uma equipe multidisciplinar para acompanhar as várias demandas que foram surgindo”, diz Teixeira. “O Mutirão causou transformações internas e externas. As escolas notaram que os alunos se tornaram mais pró-ativos e responsáveis. E a inclusão digital ganhou destaque na universidade”.
O público do Mutirão se expandiu rapidamente. Aos estudantes de escolas públicas juntaram-se idosos e pessoas assistidas por organizações sociais, como portadores de deficiências e adolescentes em regime de liberdade assistida. E os professores das escolas públicas passaram a demandar capacitação.
A diversidade de usuários levou à necessidade de se desenvolver conteúdos específicos, segundo Teixeira. Para isso, são feitas reuniões com representantes de cada público e avaliadas suas demandas, de modo a que conteúdos e oficinas incentivem os estudantes a se apropriar da própria história, segundo a metodologia Paulo Freire de Ensino.
Para as pessoas com deficiência, o foco das oficinas é o mercado de trabalho. Para os idosos, principalmente a comunicação – e, neste caso, embora adote e estimule o uso de software livre, o Mutirão trabalha com Windows. “Os idosos querem por exemplo conversar com netos pelo MSN”, conta Teixeira. Já os jovens aprendem a operar o sistema desenvolvido na universidade, o Kelix, baseado no Linux, a partir do qual conseguem trabalhar com todos os demais.
Entre os jovens com vulnerabilidade social, o Mutirão recebe alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental de Passo Fundo, criada com a proposta de ser uma escola aberta a crianças com idade acima da adequada para as séries que frequentam, excluídas pela escola regular, e crianças de famílias socialmente desestruturadas, que às vezes moram nas ruas.Todos os 108 alunos já passaram pelas oficinas, desde 2009, segundo Gessir Gusela dos Santos, orientadora de educação da escola. “Conseguimos alfabetizar rapidamente, no primeiro ano, dez crianças que tinham grande dificuldade para aprender. Eles vão para o laboratório do Mutirão com interesse e são auxiliados por pessoas que não os discriminam”, resume Gessir. “Muitas dessas crianças não sabem nem mesmo seus próprios sobrenomes. A primeira coisa que fazem é criar um e-mail. Vemos em seus rostos que é a primeira vez que têm algo só delas, que lhes permite o próprio reconhecimento como indivíduos”, diz Teixeira.
O Mutirão também se desdobrou, chegando ao centro de Passo Fundo, por meio do Espaço Kelix de Inclusão Digital. No local, são promovidas oficinas de informática para pessoas que estão de passagem pelo centro de Passo Fundo. São cinco oficinas, uma por dia da semana, cada uma com um tema duração de quatro horas – quando conclui o módulo, o participante recebe um certificadwo.
Estabelecido em 2010 e inaugurado em março de 2011, o Espaço Kelix foi vialibilizado com recursos (R$ 68.918,00) de edital do MCT/Setec/CNPq (projeto Pesquisador na Empresa). Desde 2007, o Mutirão passou a considerar os editais públicos como possível fonte de recursos para sustentabilidade, até então baseada somente na estrutura da universidade, seus professores e estagiários. O projeto já recebeu R$ 180.910 por meio de edital do CNPq/Capes/SEED-MEC para avaliação de tecnologias e modelos pedagógicos para o projeto Um Computador por Aluno (UCA). E conseguiu ainda R$ 18.349 por meio do edital PQG/2011, para o período de 2011 a 2013, do projeto Pesquisador Gaúcho, que propõe o desenvolvimento de um ambiente coletivo de formação a distância de professores.
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