Setor Privado | Serviços aos Usuários | Pescando com Redes 3G

Boa maré em Santa Cruz de Cabrália

Baseado em uma rede celular, o projeto orienta pescadores em alto mar e os conecta com seus clientes
Célia Demarchi


ARede nº75, novembro de 2011 –
Disposta a inovar também o foco de seus projetos sociais, mais voltados a setores como educação, segurança e saúde, a Qualcomm Incorporated começou a pesquisar, há três anos, setores econômicos vulneráveis que poderiam se beneficiar com suas soluções tecnológicas. Não levou muito tempo para identificar a atividade pesqueira artesanal como uma das mais apropriadas: em oposição à abundância de rios e mares, a atividade declina a cada ano, vítima da perda de rentabilidade e do interesse das novas gerações em abraçar uma profissão pouco promissora.

Detectado o setor, não foi difícil escolher uma comunidade especialmente representativa e de alta visibilidade: Santa Cruz de Cabrália, no extremo Sul da Bahia, em plena Costa do Descobrimento. Na cidade, a vocação natural da pesca vem cedendo espaço ao artesanato e a pequenos negócios voltados ao turismo, mas ainda é relativamente importante na economia local: “Procuramos uma comunidade onde fosse possível  mostrar que a tecnologia pode ajudar a reverter a situação”, diz Francisco Soares, diretor sênior de Relações Governamentais da Qualcomm.

Um segundo ponto determinante para a escolha do município foi o fato de já existir ali uma torre de transmissão de sinais 3G, da operadora de telefonia Vivo, que se tornou uma parceira do projeto. Denominado Pescando com Redes 3G, lançado oficialmente em agosto de 2010, o projeto ainda tem parceria da ZTE Brasil, da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e do Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS), além da prefeitura municipal de Santa Cruz de Cabrália. Na Qualcomm, o Pescando com Redes 3 G integra o programa Wireless Reach, que leva  tecnologia sem-fio a comunidades carentes de todo o mundo.

A iniciativa demandou uma segunda torre de sinais 3G, instalada no bairro de Guaiú, que estava isolado do mundo virtual. Também foi preciso desenvolver tecnologias específicas para atender às necessidades dos pescadores, levantadas durante encontros e reuniões com as várias comunidades pesqueiras locais, espalhadas por inúmeras praias, segundo Soares.

O sistema concebido inclui smartphones com aplicativos desenvolvidos pela empresa baiana LTM, contratada para esse fim. Os programas fornecem os dados mais relevantes para qualquer pescador, como condições metereológicas, qualidade e temperatura da água e até indicadores de mercado. A cereja desse bolo, porém, está no aplicativo que possibilita comunicação online com clientes finais do pescado, como hotéis e restaurantes, permitindo que os pescadores fechem negócios antes mesmo de atracar, sem passar pelos atravessadores. Com esse recursos, também conseguem tornar mais produtivo o período de até semanas que passam em alto mar. “A demanda pode surgir de repente e deixar de ser atendida por falta de comunicação”, explica Soares.

Outra vantagem dos aplicativos é que estimulam a gestão do negócio. Normalmente, o pescador não tem controle sobre os custos de cada pescaria – que envolve despesas com combustível, auxiliares, alimentação, gelo – e, sem perceber, pode trabalhar com prejuízo. O controle de custos e receitas é obtido com a introdução dos dados do negócio nos smartphones, que calculam os resultados. Na primeira fase do projeto foram distribuídos 15 celulares com créditos pagos a 15 embarcações, que ainda foram equipadas com uma antena que amplia o alcance dos sinais 3G de cinco a seis milhas para até 16 milhas em alto mar.

O conjunto de ações do projeto inclui capacitação em um telecentro com 18 computadores, onde os pescadores passam por treinamentos ministrados pelo IABS, para aprender a usar a tecnologia e receber cursos, inclusive os transmitidos via web pelo Ministério da Pesca, que abordam, por exemplo, sustentabilidade e legislação. Uma embarcação cedida pela associação de pescadores locais serve como barco-escola para atividades práticas.

Os índios pataxós já realizaram algumas pequenas vendas diretas de pescado a restaurantes, segundo Aluísio Matos de Oliveira, de 45 anos, presidente da Associação dos Pescadores Indígenas Pataxós de Coroa Vermelha, constituída de mais de seis mil moradores e considerada a maior comunidade indígena do Brasil. Mas a experiência poderá ser consolidada somente depois que os pescadores puderem contar com equipamentos de refrigeração em terra, dificuldade que seria resolvida ainda em 2011. De acordo com Oliveira, o projeto está recebendo capital de giro de R$ 3 mil e um freezer: “Com isso poderemos afastar os atravessadores. A experiência toda está sendo muito boa”, avalia.

Dos encontros com as comunidades também afloraram novas perspectivas relacionadas à pesca. Descobriu-se, por exemplo, que poderiam ser pescadas novas espécies na região, como polvos, e desenvolvidas atividades produtivas alternativas como o cultivo de ostras, com apoio da tecnologia. Ou seja, com a utilização de softwares que controlam salinidade, temperatura e qualidade da água, além da biometria (crescimento) das ostras, foi possível instituir criadouros mais produtivos.

A criação de ostras, que frustrou as expectativas em Coroa Vermelha, onde as condições ambientais (a alta salinidade, por exemplo) não eram as mais adequadas, está florescendo em Guaiú. Cerca de 30 pessoas, a maioria mulheres, chamadas “marisqueiras”, se dedicam à atividade. Embora ainda não tenham acontecido as primeiras vendas, já se vê um efeito benéfico ao ambiente: a comunidade se mobilizou para manter aberto o canal do rio com o mar, prejudicado pela erosão, uma vez que o cultivo, feito no rio, depende da fluência das águas.

Demonstrada a viabilidade, os parceiros do Pescando com redes 3G olham agora para o futuro: como tornar o  projeto sustentável? O telecentro já funciona como lan house, gerando alguma renda, segundo Soares, que negocia novos patrocínios de empresas com perfil para investir no projeto. Outro parceiro pode ser o Ministério da Pesca. A fonte mais bem-vinda, porém, será a renda adicional propiciada pela melhoria da produtividade.

www.qualcomm.com.br

{jcomments on}