Protocolo de intenção assinado pela
Prefeitura com a empresa, e busca pela auto-sustentabilidade podem
mudar os telecentros paulistanos.
Verônica Couto
O anúncio, em outubro, da parceria entre a Microsoft e a prefeitura de
São Paulo, tendo como alvo os telecentros de São Paulo, gerou críticas
de parlamentares, telecentristas e ativistas da inclusão digital. Todos
são contra a intenção da Secretaria Especial para Participação e
Parceria (Sepp) do município de usar programas proprietários nas
máquinas dos telecentros, que rodam, atualmente, software
livre. Há também o receio de que o próprio projeto dos telecentros
deixe de ser encarado como política pública — dever do Estado, mantido
com recursos públicos —, obrigando as unidades, que são conveniadas com
organizações da sociedade civil, a se tornarem auto-sustentáveis.
Preocupado com o acordo, que qualificou de “retrocesso”, o deputado
estadual Simão Pedro (PT/SP) pretendia oficiar os vereadores da Câmara
Municipal, e solicitar uma audiência pública sobre o tema.
O titular da Sepp, Ricardo Montoro, reconhece que poderá vir a usar
Windows nos telecentros. E, independente do acordo com a empresa,
afirma que quer, a médio prazo, tornar os telecentros comunitários (60%
de uma rede de 200 espaços) auto-sustentáveis. Destaca, contudo, que
não pretende suspender o uso do software livre e que ainda está avaliando que rumos tomar.
O protocolo (cuja íntegra está publicada no site de ARede)
prevê a “(…) disponibilização de programas, equipamentos, licenças e
treinamentos para a qualificação social e profissional dos usuários dos
telecentros comunitários” (…). Apesar do escopo bastante abrangente,
Montoro assegura que, até o momento, a Sepp teria estabelecido que
apenas uma única máquina vai rodar Windows (além das 20 estações e do
servidor com Linux, em cada telecentro), com sistema de leitura de tela
(Virtual Vision) para cegos.
O coordenador de inclusão digital da Secretaria, Waldemar Junqueira Ferreira Neto, adianta que a proposta deve caminhar para o dual boot (os dois sistemas disponíveis). Isso exige, no entanto, um aumento da capacidade das máquinas. “Como nos telecentros temos thin clients
[estações sem disco, que operam ligadas a um servidor], de baixo
consumo de energia, estamos buscando junto ao fabricante [TecnoWorld],
uma adaptação para conseguir dual boot. Ou, numa alternativa mais complicada, contar com um segundo servidor, de modo que o usuário pudesse escolher.”
Máquinas mais caras e programas proprietários formam uma combinação
que, para muitos, como a vereadora Soninha (PPS), está em contradição
com a perspectiva de “auto-sustentabilidade” da secretaria, da qual ela
também discorda. “Ainda que se pense que um telecentro tem que se
sustentar, prestar serviços remunerados, mudar para software
proprietário não faz sentido. Engraçado que o mesmo governo que lutou
tanto na área de genéricos e de patentes de medicamentos, não consiga
entendar a banderia do software livre. É semelhante, compartilhamento
de conhecimento”, diz ela.
Um dos projetos previstos no protocolo de intenções, idealizado pela
ONG Comunitas (Programa Rede Jovem) e que foi a origem da aproximação
da prefeitura com a Microsoft, é totalmente voltado à
auto-sustentabilidade de telecentros. “Isso me interessou muitíssimo.
Porque tenho a intenção de iniciar um processo para que os telecentros
deixem de ser do município”, continua o secretário Montoro. Seu
objetivo é que as unidades sejam incorporadas pelas associações
comunitárias, e deixem de receber a atual “ajuda” de R$ 1,1 mil
mensais. “Temos que partir para incluir as pessoas, de forma a gerar
trabalho e renda. Seja com produção de propaganda, impressão de
catálogo, tabela para os times de futebol, convite para batizado.
Prestar serviços e, se for o caso, a comunidade poderia cobrar pelo
acesso, algo como R$ 1,00 a hora.”
Por isso, Montoro apostou no projeto da Comunitas, financiado em R$ 1,2
milhão pela Microsoft, que está sendo desenvolvido em cinco telecentros
da capital. Segundo Nayara Marfim, assistente de monitoramento do
Programa Rede Jovem, o projeto Telecentros Multimídia Sustentáveis tem
o objetivo final de formar, em cada unidade, uma cooperativa
comunitária de serviços multimídia, capaz de gerar receita suficiente
para manter o telecentro aberto à navegação livre. A ONG adquiriu cinco
computadores e está oferecendo cursos de cinco meses (até 14 de março),
de empreendedorismo, HTML e webdesigner (com Gimp, software livre), edição de vídeo e autoração de DVD (com Ulead, proprietário).
Constam do protocolo de intenções firmado com a Microsoft outros
projetos com a mesma filosofia. Entre eles, a criação de uma Incubadora
Municipal de Projetos Sociais Autofinanciáveis, gerida pela Fundação
para Desenvolvimento da Tecnologia (Fundetec), uma ONG aque vai atuar
como centro de recondicionamento de computadores e oferecer 120 vagas
por semestre em curso de “remanufatura”, com metodologia da MS.
Municipalização
A Prefeitura de São Paulo vai incorporar todos os 49 infocentros do
programa Acessa São Paulo, do governo do estado, que têm convênios com
entidades da sociedade civil e estão na capital. “Além do acesso à
internet, a prefeitura vai oferecer cursos e oficinas”, afirma Waldemar.
Incluindo os infocentros municipalizados e novos convênios que estão
sendo fechados este mês, a prefeitura quer ter 300 telecentros até o
final do ano — cem administrados pelo poder público, e 200 conveniados.
No final de outubro, com 180 unidades, a rede registrava 470 mil
atendimentos/mês e 1,3 milhão de usuários cadastrados.
Para Beatriz (Beá) Tibiriçá, diretora da ONG Coletivo Digital, há três
razões para não abrir mão do software livre nos telecentros, nem ceder
ao dual boot, como se as opções tecnológicas fossem equivalentes, ou
mera preferência pessoal: economia de recursos; compartilhamento de
conhecimento; e combate à pirataria. “A opção pelo software livre é uma
escolha de visão pública. Além de economia de recursos, traz
compartilhamento de conhecimento. Por que não fazer uma parceria, sim,
mas para desenvolver um software de acessibilidade, livre? “,
argumenta.
Na gestão de Beá à frente dos telecentros de São Paulo, na
administração Marta Suplicy, foram instalados cerca de 1,7 mil
aplicativos (além do pacote de escritório) nas unidades: tratamento de
imagens, mais de uma opção de editor de texto, três diferentes
navegadores de internet. “Um leque de alternativas impossível com um
pacote proprietário, que vai aprisionar o usuário ao produto. Além
disso, o único jeito decente de combater a pirataria é com software
livre. Porque, na periferia, ninguém tem R$ 1 mil para comprar um
pacote do Office (versão Standard)”, diz Beá.
Outro crítico da decisão, o deputado estadual Simão Pedro contesta o
argumento da empregabilidade, também usado pelo secretário Ricardo
Montoro (Sepp) para o acordo com a Microsoft: “Dizer que o jovem
precisa se atualizar no Windows para arranjar emprego é uma inverdade”.
Na sua opinião, cada vez mais empresas públicas e privadas usam
sistemas baseados em Linux. E o modelo de formação dos telecentros
previa “oferecer conhecimentos mais amplos aos jovens do que operar os
programas da Microsoft”. Ele também é contra a idéia de vender cursos,
cobrar para imprimir ou transmitir currículos. “A inclusão digital
deveria ser prioridade, fundamental não só para a profissionalização,
mas para o acesso aos serviços. Deveria ter orçamento, uma secretaria.”
O desenvolvedor e webdesigner Cléber Jesus dos Santos deu seus
primeiros passos profissionais no telecentro Têxteis, de Cidade
Tiradentes, na zona leste; hoje trabalha em uma empresa de informática,
programando apenas em software livre. Divulgou carta pela internet,
protestando contra o protocolo de intenções da prefeitura, onde
pergunta: “Por que não pegar esse dinheiro [investimento na atualização
das máquinas, para rodar Windows] e investir em desenvolvimento em
software livre?”