O tabuleiro da baiana também serve para fazer inclusão digital com um projeto desenvolvido em software livre
Mesas e bancos inspirados nos tabuleiros usados pelas baianas, para vender acarajé.
O projeto está na rede. Como foi desenvolvido em software
livre, é só copiar. Mas um aviso aos navegantes: o grande bizu para
implementá-lo é conseguir financiamento. É uma das lições que ensinou a
experiência do Tabuleiro Digital, projeto gerido pela Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced-UFBA), escolhido como
o melhor na categoria Setor Público Federal do Prêmio ARede 2007.
Iniciado em 2004, a idéia do projeto era acabar com o mito reinante no
imaginário da meninada de que cibercultura, ciberespaço eram coisas
sofisticadas, o reinado dos terminais de aço escovado e quetais, como
conta seu responsável, Nelson Pretto, diretor da Faced. Essas idéias
afastavam as comunidades do entorno da universidade do acesso à
internet. Daí, era escolher alguma expressão forte da cultura local, o
tabuleiro onde a baiana vende o acarajé.
“Isso é a cara da Bahia”, destaca Pretto, acrescentando que o móvel foi
escolhido justamente para desmistificar a idéia de sofisticação.
“Quando navegamos desse jeito, mostramos à meninada e, sobretudo aos
futuros professores — os licenciandos da UFBA — que quem entra no mundo
digital, não muda de planeta”, acrescenta. A escolha do nome e imagem
Tabuleiro Digital também expressa os conceitos de informalidade e
rapidez que caracterizam o projeto, que se define como uma experiência
de articulação educação-cultura-ciência-tecnologia. Os objetivos do
Tabuleiro são favorecer a inclusão sóciodigital da comunidade acadêmica
da UFBA e da população do seu entorno, em Salvador, e da comunidade do
município de Irecê; criar condições para a construção de uma cidadania
plena, e para o uso das tecnologias como elemento de redução das
desigualdades. E mais: possibilitar aos jovens vindos das camadas
populares acesso pleno ao universo da cibercultura.
O tabuleiro funciona nos pátios da Faced, em Salvador, e em Irecê, em
local construído pela prefeitura. Na capital, o projeto sofreu uma
“deturpação positiva”, relata Pretto: a meninada do entorno da
faculdade tomou os tabuleiros. Resultado: como o acesso com conexão
rápida à internet (óptica, da RNP) é livre e gratuito, os 20
computadores distribuídos em ilhas de quatro ou duas máquinas não dão
para o gasto de licenciandos, funcionários da faculdade e alunos de
escolas das proximidades. “A disputa é ferrada, mas todos sabem que, se
quebrar, não tem mais.”
Em Irecê, o Tabuleiro tem apoio
do pessoal do Ponto de Cultura
Anísio Teixeira/Faced
Fundamental no projeto é a auto-gestão comunitária. Na Faced, não há um
setor de gerenciamento do uso. Quando necessário, os monitores,
vinculados ao Projeto Permanecer, da UFBA, atuam como orientadores. Em
Irecê, face à proximidade com o Ponto de Cultura, monitores e
voluntários gerenciam o andamento do Tabuleiro. Por tudo isso, destaca
Pretto, a arrumação dos tabuleiros está longe de sugerir uma sala de
aula. Os usuários são levados a fuçar, cutucar para aprender a usar.
Mas descobriu-se um “escorregão”: um banco por tabuleiro é pouco,
deviam ser dois, porque os usuários — os meninos, em particular —
gostam de fazer juntos, socializar suas experiências no Orkut, jogar.
Em Irecê, a prefeitura dá guarda total ao Tabuleiro, que tem 1,2 mil
usuários cadastrados e 50 computadores em ilhas de seis máquinas.
Funcionam como na capital, mas com conexão menos rápida. Sob demanda,
os tabuleiros também são utilizados pelas 34 escolas de ensino
fundamental da localidade. O espaço conta com a colaboração dos Agentes
Cultura Viva, numa ação do Ponto de Cultura Ciberparque Anísio
Teixeira/Faced, que formou 50 jovens (16 a 21 anos) no primeiro
semestre. Em convênio com a adminstração, por três anos (que estão se
encerrando) foi ministrado um curso de graduação em Pedagogia para
cerca de 150 professores em atividade no município. Segundo Pretto, foi
um projeto de formação com currículo não-rígido (hipercontextual), com software
livre a distância (com ajuda do Ciberparque). Uma luta da Faced, diz
seu diretor, é formar um campus avançado da UFBA em Irecê. Mas,
enquanto o sonho não vira realidade, o Tabuleiro já deu filhotes: duas
localidades do município já foram atrás para implantar seus tabuleiros.
Do total de usuários do Tabuleiro Digital na Faced, uma pesquisa
apontou que 90% se declaram negros ou afro-descendentes; a faixa etária
vai de 14 a 29 anos, e a maioria reside no entorno da universidade. Os
estudantes representam 93% do total: 63% cursam o ensino superior; 25%
o médio. A maioria freqüenta escolas/universidades públicas; dos
universitários, 58% são alunos da UFBA. Os parceiros do projeto são a
Petrobras (equipamentos, recursos para a produção dos móveis e
instalações), Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (desenho e produção dos
móveis), Prefeitura de Irecê (espaço, climatização, despesas de consumo
e pessoal), Ponto de Cultura Ciberparque Anísio Teixeira (implantação
em Irecê, monitoramento, manutenção).
Os resultados apontados incluem a popularização do uso de software
livre (a distribuição Kurumim, adaptada ao projeto, e apoio ao
desenvolvimento de novas versões e plataformas.“Na UFBA, com os
tabuleiros, os pátios viraram ponto de encontro. É um rico burburinho
com o entorno da universidade, um laboratório vivo para a formação dos
professores que têm, por exemplo, que lidar com a presença de alunos do
ensino médio que estão matando aula para usar os tabuleiros”, conta
Nelson Pretto. E o desenvolvimento de uma grande intimidade com a
internet, do espírito de solidariedade e de colaboração passa a ser
patrimônio dessa humanidade que freqüenta o Tabuleiro Digital, arremata
ele.