Tecnologia para o Brasil

Em conferência sobre ciência, tecnologia e inovação, propostas renovadoras sobre a função dessas áreas na inclusão social. LÚCIA BERBERT


ARede nº59, junho 2010 – O desenvolvimento tecnológico é imprescindível para assegurar o crescimento sustentado, mas é igualmente necessário para resolver questões de interesse da humanidade, como o efeito estufa, ou de importância estratégica para o país, como a exploração de petróleo na camada do pré-sal, a incorporação de valor agregado e competitividade aos produtos nacionais, a promoção da saúde, o crescimento da agricultura e até a simples difusão do ensino da ciência.

Esses foram alguns dos temas debatidos durante a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia em Brasília, nos dias 26, 27 e 28 de maio. Mais de 3.500 pessoas, entre cientistas, professores, empresários, estudantes, representantes de governos e representantes da sociedade civil organizada debateram os problemas enfrentados pelo país e contribuíram com propostas que nortearão a criação de políticas públicas para o setor, a serem implantadas nos próximos dez anos.

Entre os obstáculos para o crescimento do setor estão as necessidades de recursos cada vez maiores, de maior integração entre empresas e academia e de investimentos constantes na formação de recursos humanos, que deve começar com um ensino básico de qualidade. “A busca por mais investimentos para o setor e a dificuldade de interação entre universidades e empresas constitui um problema complexo não só no Brasil, mas para todo o mundo”, disse Glauco Arbix, professor de sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Mas Arbix acha que já houve muito progresso por aqui. “Apesar dos obstáculos para alcançar o desenvolvimento e o nível de inovação almejado, houve um avanço no padrão de investimento no Brasil, com as novas agências de fomento e apoio à pesquisa, que ajudaram o país a alcançar um novo patamar”, reconheceu.
De fato, os recursos para ciência e tecnologia têm apresentado um crescimento constante e estão perto de 2% do PIB, apenas um ponto percentual a menos do que é aplicado nessa área pelos Estados Unidos. A diferença maior, pondera o chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, é o tamanho do PIB desses dois países: US$ 15 trilhões nos EUA e R$ 1,5 trilhão no Brasil. Para Guimarães, não se pode falar em desenvolvimento econômico sem a introdução maciça de inovação no processo produtivo, o que depende do engajamento do setor empresarial.

Ciência recente
O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, entende que há razões históricas e culturais. Segundo ele, a própria ciência é recente no Brasil. “Começamos a formar os nossos doutores há 30, 40 anos”, explica. “Se a ciência é nova nas universidades, é muito mais nova nas empresas. O setor empresarial não tem a cultura de investir em pesquisa e inovação, porque a própria pesquisa demora um pouco para dar resultado e às vezes não dá o resultado esperado.”

Rezende observou ainda que esse quadro vem se alterando depois da Lei da Inovação e da criação da subvenção econômica para as empresas, em que o governo divide o risco com a empresa por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC), entre outros mecanismos.

Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve na 4ª CNCTI e garantiu que elevará os recursos para o setor. “Não importa quem seja o próximo presidente do país, ele terá à disposição um aumento no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, que vou deixar na proposta do orçamento para 2011”, disse Lula, sem quantificar o reforço no caixa do MCT.

Novo fundo
Apesar das promessas de aumento de recursos federais para C,T&I, diversos participantes da conferência defenderam a criação de um fundo para o setor, especialmente para o financiamento do desenvolvimento de tecnologias sociais, que se destacam pela produção de conhecimento direcionada a atender as necessidades da população e, com isso, melhorar a qualidade de vida e gerar inclusão social.

As Organizações da Sociedade Civil (OSC) que trabalham com tecnologias sociais defendem que esse fundo seja criado a partir da alocação de recursos da Finep. Outro segmento sugere que os recursos para o novo fundo saiam do fundo social que receberá os recursos da exploração do petróleo da camada pré-sal, proposta que conta com o apoio do ministro Sérgio Rezende, que já formalizou a sugestão para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci. Há ainda quem proponha a taxação dos serviços financeiros para a composição do fundo para o fomento da educação em ciência não formal, aquela que se aprende em museus, zoológicos, parques e jardins botânicos. É o que sugere o diretor do Museu da Amazônia, Ennio Candotti.

Para a responsável pela linha de financiamento de Arranjos Produtivos Locais (APLs) do BNDES, Helena Lastres, além de recursos próprios, o desenvolvimento de tecnologias sociais deve incorporar os conhecimentos tradicionais não registrados das comunidades, como a sabedoria dos povos indígenas. “Toda a estrutura do conhecimento está baseada nos ensinamentos trazidos pelos países desenvolvidos”, disse. Ela defende que o país avance na construção de um conhecimento mais compatível com a realidade local.

Uma política própria do país para preservação da Amazônia foi reivindicada também pela professora Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela discorda dos projetos globais para a região, como o de crédito de carbono, onde a redução de gases do efeito estufa passa a ter um valor monetário para conter a poluição. “Essa proposta não ataca as causas do desflorestamento”, sustentou. Em sua opinião, somente a C,T&I pode atribuir valor econômico à floresta em pé, com o desenvolvimento de tecnologias para bioprodução e serviços ambientais sustentados, que poderão efetivamente conter o desmatamento.

As propostas resultantes da 4ª CNCTI, bem como das cinco conferências realizadas em todas as regiões do país, e mais as contribuições oriundas dos encontros estaduais e fóruns de discussão em todo o Brasil serão sistematizadas em um único documento, que será encaminhado para os poderes executivo e legislativo, informa o secretário-geral da conferência, Luiz Davididovich.