Os 15 rádio-telecentros do Programa de
Inclusão Digital da Cemina – Rede Cyberela mostram que a conexão
pública à rede em espaços compartilhados com emissoras comunitárias
multiplica os efeitos dos projetos de inclusão social. Verônica Couto
Comunicadoras editando áudio no
computador.A proposta de juntar telecentros a rádios comunitárias, que faz parte,
por exemplo, do modelo escolhido pelo governo para o projeto Casa
Brasil, já foi colocado em prática pela organização
não-governamental Cemina-Comunicação, Educação e Informação em Gênero.
A sua rede reúne 15 rádiotelecentros pilotados por mulheres – as
cyberelas –, principalmente no Norte e no Nordeste do país.
“Os rádio-telecentros têm por trás uma idéia genial: fortalecer a
inserção e a credibilidade das rádios comunitárias em suas áreas de
influência, agregando- lhes espaço físico equipado com computadores,
que compartilham com a rádio uma mes-ma conexão à internet”,
explica Silvana Lemos, coordenadora do projeto de rádio e TICs
(Tecnologias da Informação e das Comunicações) na ONG.
Ou seja, o impacto produzido nas comunidades pelo acesso à internet
repercute diretamente no fortalecimento e no prestígio das rádios,
multiplicando o seu poder de articulação. A pequena cidade de
Campestre, em Alagoas, é um exemplo extremo dessa capacidade de
agregação. A Rádio Campestre, com a cyberela Maria Betânia Buarque à
frente, é o único veículo de comunicação dos 7 mil habitantes do lugar,
a 130 km de Maceió, de difícil acesso e pouquíssimos recursos. A
prefeitura não tem sede própria e o primeiro despacho do prefeito, em
janeiro, foi feito no telecentro – a Estação Digital Campestre,
inaugurada em novembro de 2004, com apoio da Fundação Banco do
Brasil, para atuar junto da rádio. “É evidente o fortalecimento do
exercício político das pessoas e o empoderamento das mulheres
radialistas, que conquistam auto-estima, credibilidade e respeito
junto às suas comunidades ao ultrapassarem a barreira da tecnologia e
oferecerem essa possibilidade aos demais”, avalia Silvana. Em
Pintadas (BA), cidade sem asfalto nem banca de jornal, a cyberela
Eloíde Macedo conseguiu, graças a campanhas feitas pela rádio,
deflagrar, no início da década de 90, um movimento de construção
de cisternas – virou política pública em 1996 e, a partir deste ano,
com apoio também do Fome Zero, todas as casas têm a sua. “As mulheres
não dependem mais dos 20 litros de água potável por dia, que era
a ração dos tempos da estiagem”, destaca ela. A rádio foi fechada
há um ano, mas o rádio-telecentro, Estação Digital apoiada pela
Fundação Banco do Brasil, foi inaugurada em dezembro de 2004.
Contradições expostas
Outro efeito direto do casamento entre rádios e telecentros é a maior
visibilidade dos benefícios trazidos pelas emissoras comunitárias
às localidades onde atuam, expondo as contradições que perduram na
regulamentação do setor. Isso é importante e estratégico, destaca
Silvana, porque muitas ainda lutam por sua legalidade. Como luta a
Comunidade Novo Ar, com 2,4 mil sócios, responsável pela rádio do mesmo
nome,
Locutora Rádio Novo Ar,
São Gonçalo-RJ. que alcança 80% da cidade de São Gonçalo (RJ) e foi fechada
pela fiscalização em maio – e reaberta na mesma semana, com apoio da
comunidade para a reposição dos equipamentos.
Em 2002, a Novo Ar venceu concurso do Banco Mundial e, com o prêmio,
adquiriu os cinco micros para montar um telecentro. Hoje, já são
14 máquinas (conectadas pelo Gesac), com navegação a R$ 1,00 a
hora. De acordo com Silvana, o programa da Cemina – que há 12 anos
trabalha a aplicação do rádio na promoção dos direitos da mulher
– desembocou nos telecentros como um reforço do seu foco original. “A
internet foi uma oportunidade de melhorar a qualidade radiofônica
dessas comunicadoras e incrementar a interação entre elas”, diz. Paraa
escolha do rádio como meio preferencial pesou o fato de ser popular e
ter grande alcance. O projeto começou com uma emissora – Fala Mulher –
e, paralelamente, com a realização de mais de 300 capacitações de
radialistas pelo Brasil. No início de junho, em Maceió (AL), foi
realizadoo IX Encontro da Rede de Mulheres no Rádio, evento apoiado
pela Cemina, que já soma 400 comunicadoras.
Durante algum tempo, esses encontros eram um momento raro para troca de
informações. Até que veio a internet. A Fala Mulher ganhou uma versão
online e a Cemina abriu concurso para selecionar 13 comunicadoras para
receber computadores e treinamento em informática – nasciam as
cyberelas, atualmente uma rede de 29 radialistas que operam
ferramentas digitais. “Esse processo deu uma tremenda independência às
mulheres em relação aos técnicos”, lembra Silvana.
Começava a ultrapassagem da barreira tecnológica, prévia à iniciativa
dos telecentros. “A gente entendeu que essa conexão era tão boa
que, na segunda seleção de cyberelas, pedimos que as inscritas
indicassem um espaço, nos seus projetos, para que a infra-estrutura de
informática das rádios fosse compartilhada com telecentros”, explica
ela. Surgiram as 15 cyberelas dos rádio-telecentros. E o programa
ganhou, ainda, micros da Fundação Banco do Brasil (dez para cada
rádio-telecentro) e 17 antenas do Gesac que começaram a ser
instaladas no início do ano passado. Na cidade de Boca do Acre, no
Amazonas, a cyberela Fátima Santágata se apropriou tanto da
tecnologia, que fez uma extensão da conexão da antena, por rádio, por
mais dez quilômetros dentro da floresta.
Um puxadinho digital.
Para Silvana, o grande desafio, agora, é a sustentabilidade técnica e
financeira desses espaços. Por isso, vão desenvolver um treinamento, de
modo que as mulheres assumam a manutenção, e para promover fontes
de receita, a Cemina começa a incentivar arranjos produtivos locais. O
Projeto de Inclusão Digital da Cemina – Rede Cyberela tem a
parceria da Fundação Kellogs, Banco do Brasil e Fundação Banco do
Brasil, Rits e sampa.org.