Telecentros – Digitando o Futuro, de farol a megaportal

O Digitando o Futuro deve ser reformulado pela prefeitura da capital paranaense, que vai criar o Se Liga Curitiba.


O Digitando o Futuro deve ser reformulado pela prefeitura da capital paranaense, que vai criar o Se Liga Curitiba.
João Luiz Marcondes



Depois de cinco anos de um programa bem-sucedido de inclusão
digital, o Digitando o Futuro, a nova administração de Curitiba anuncia
outro, ainda mais ambicioso, o Se Liga Curitiba. “Todas as conquistas
do Digitando serão mantidas, mas vamos muito além”, promete Clodualdo
Pinheiro, presidente do Instituto de Planejamento e Pesquisas Urbanas
de Curitiba (IPPCU), órgão da prefeitura. O Digitando foi desenvolvido
pelo governo Cássio Taniguchi/PFL, e o Se Liga é da gestão atual, de
Beto Richa/PSDB. No Brasil, é comum que mudanças políticas nas
administrações acabem acarretando o congelamento ou negligenciamento de
projetos existentes. No caso, o novo programa promete abarcar o
anterior, mas não destruí-lo.

Representantes dos bairros vão

produzir conteúdo para o portal.
O Se Liga pretende ser um megaportal de serviços na internet que
mobilizaria toda a população de Curitiba. Contará, segundo Pinheiro,
com parte dos R$ 80 milhões previstos no orçamento do governo para
infra-estrutura de informática. O projeto pretende aumentar de 49 para
450 os pontos de acesso gratuito à internet na cidade. Atualmente, o
Digitando é gerido por uma organização sem fins lucrativos, o Instituto
Curitiba de Informática (ICI). O novo gestor ainda não está definido,
mas Pinheiro informa que haverá maior participação da população. O Se
Liga Curitiba promoverá cursos para ensinar os moradores das
comunidades a navegar pela internet, e os representantes dos bairros
serão os responsáveis por parte do conteúdo do megaportal – o espaço
para discussão das demandas de suas localidades em relação à inclusão
digital e outras questões.

“Não podemos entregar de imediato a gestão para a comunidade, porque,
no Brasil, ainda não existe cultura participativa”, acredita Pinheiro.
Mas ele diz que, com o tempo e a aquisição de conhecimento, isso será
possível. Uma das novidades serão as lan houses. Espaços onde a
população poderá, por exemplo, fazer, via TV digital, cursos sobre os
mais variados assuntos: culinária, vídeo, informática avançada, etc.. À
medida que a comunidade aumentar a sua participação na gestão do
projeto, a comunidade, ela passará a
escolher os cursos oferecidos.

O megaportal, segundo Pinheiro, será importante para a vida cotidiana
de Curitiba. Além de localizar endereços, e ver a programação de
cinema, o cidadão também poderá procurar emprego digitando a sua área
de interesse. Para o projeto virar realidade, a prefeitura pretende
construir uma rede sem fio (wireless), também com recursos do orçamento
municipal de informática, e das parcerias público-privadas (PPPs). A
contra-partida da iniciativa privada, diz Pinheiro, se dará sob forma
de propaganda no portal. A estréia do Se Liga Curitiba está prevista
para o primeiro semestre de 2006.

De concreto, existe o Digitando o Futuro. O projeto, com cinco anos, é
o pioneiro no país na oferta de internet gratuita à população, via
instalação de telecentros na rede de bibliotecas públicas curitibanas,
cujos prédios imitam faróis marítimos, com nomes de escritores como
Machado de Assis, José de Alencar, Clarice Lispector e Padre Antônio
Vieira. Os números não param de crescer: são mais de 3 milhões de horas
de navegação grátis e 400 mil pessoas com endereços eletrônicos
registrados com a terminação do projeto (curitiba.org).

Segundo Fabrício Zanini, coordenador de projetos sociais do ICI, o
objetivo do Digitando é a inclusão digital total. Ou seja, além do
acesso gratuito, a capacitação das pessoas por meio de cursos de
informática. Não menos importante também foi o interesse dos
curitibanos loucos por tecnologia pelos livros (quase cinco mil) da
rede de bibliotecas. “As pessoas redescobriram o livro, o movimento nas
bibliotecas aumentou 50%”, afirma Zanini.

O Digitando oferece dois tipos de cursos. Um, ensina informática básica
(navegar na internet, usar o correio eletrônico) e é ministrado por
alunos da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR). Os estudantes têm
em sua grade curricular a matéria Projeto Comunitário e ganham créditos
com as aulas. Outros cursos (também gratuitos), dados por orientadores
do ICI, são oferecidos on line e ensinam sobre hardware, noções de
Linux, programação HTML e Windows.


O maior público dos
telecentros é de jovens
entre 11 e 20 anos.

Nos telecentros, ou faróis do saber, como são popularmente conhecidos,
trabalham três monitores, um para cada período do dia. São estagiários
que recebem R$ 2,00 por hora, mais vale-transporte. A maioria tem
formação na própria rede pública de informática e, para muitos é a
primeira oportunidade de emprego. “Eles já vêm com uma consciência
social forte”, destaca Zanine.

Primeiro emprego

É o caso de Daniel José de Souza, 19 anos. A sua única fonte de renda,
há três anos, eram bicos como jardineiro. Hoje, ele é funcionário do
ICI, seleciona e recruta outros jovens para trabalhar no Digitando e
administra os estoques dos telecentros. Daniel nunca teve computador em
casa, mas agora junta dinheiro para comprar “uma máquina”. Quando
começou no Digitando como estagiário, ganhava R$ 240,00 por mês. Hoje,
recebe R$ 540,00, mais benefícios como vales refeição e transporte. “A
vinda para cá mudou muito minha cabeça. Era muito tímido, hoje consigo
me comunicar melhor, interagir com as pessoas e até ensinar”, conta.

Portadores de necessidades especiais têm um tratamento diferenciado em
alguns pontos do Digitando. São contempladas pessoas com deficiências
visual, auditiva, motora e “mental leve”, para as quais, além de rampas
e banheiros adaptados, os telecentros dispõem de  emuladores de
teclado (quem tem pouca mobilidade) e teclado colméia (que facilita a
digitação).

O fato de não ser gerido pela comunidade, mas pelo próprio ICI poderia
ser um fator negativo no Digitando. Mas Zanine se defende, dizendo que,
semestralmente, até 40 mil pessoas respondem a pesquisas sobre o
projeto. A partir dessas demandas, os rumos vão sendo estabelecidos.
Uma das inovações foi transformar um ônibus tipo executivo em
telecentro móvel. Equipado com oito computadores e um sofá, ele
percorreu as áreas mais remotas de Curitiba, além dos movimentados
parques nos fins de semana. O ônibus ia aonde a sociedade pedia.
Atualmente, este projeto está sendo reformulado, mas deve voltar em
breve.

Mensalmente, o ICI investe R$ 120 mil no Digitando o Futuro. Nos cinco
anos do projeto, um total de R$ 5 milhões. A prefeitura entra com a
infra-estrutura – cede os espaços, paga contas de luz e água, além de
providenciar segurança. Os acessos são em banda larga, por ADSL, com
patrocínio da Brasil Telecom, que cobra dos telecentros 30% abaixo do
preço comercial do acesso ADSL. Os faróis do saber utilizam software
livre. Há cerca de dois anos, trocaram o sistema Windows por Linux.


  Prefeitura quer criar rede sem fio
  na cidade.

O ICI também procura se articular com outras questões relacionadas às
demandas da população. Com o Tribunal de Justiça do Paraná, o Instituto
montou a infra-estrutura do projeto Justiça no Bairro, que atende
comunidades carentes em alguns fins de semana por mês. Assim, por
exemplo, um juíza da 4ª Vara de Família faz casamentos, trata de
questões de pensão alimentícia, paternidade, etc.. Cerca de 2 mil
pessoas são atendidas por fim de semana, nos 50 computadores do
programa, no qual trabalham voluntários de cursos de Direito.