Oportunidades muito especiais
O objetivo do projeto é aumentar o grau de empregabilidade de portadores de necessidades especiais
Célia Demarchi
ARede nº75, novembro de 2011 – Ultimamente, ampliaram-se as políticas públicas para favorecer a inclusão, no mercado de trabalho, de pessoas com necessidades especiais. Mas, com ajuda da tecnologia, esse avanço ganha muito mais abrangência e velocidade. Sob essa premissa, foi desenvolvido o projeto Parceria para Oportunidades de Empregos através da Tecnologia nas Américas (Poeta), iniciativa da Trust for the Americas, que chegou ao Brasil no ano passado, por meio da Federação das Associações para Valorização de Pessoas com Deficiência (Avape).
A proposta é promover capacitação e acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) para públicos portadores de deficiências, físicas e intelectuais. As atividades acontecem em Centros de Oportunidades Digitais onde estão disponíveis recursos de acessibilidade, como softwares que facilitam o uso de computadores por pessoas com deficiências visuais, professores preparados para atender pessoas com deficiências auditivas e mobiliário adequado para receber usuários de cadeiras de rodas.
A cidade de São Paulo recebeu a centésima unidade do Poeta, programa presente em todo o continente sul-americano. Instalada em duas salas da Avape, no centro da capital paulista, começou a funcionar a plena carga, em setembro do ano passado. Em seguida, foi inaugurada outra unidade do Poeta, na Avape de Santo André. Até junho de 2011, 397 jovens com necessidades especiais ou em situação de vulnerabilidade social haviam sido capacitados nos dois locais e 92 deles tinham conseguido arrumar emprego.
Também até junho, 1.699 usuários não portadores de deficiências, moradores das comunidades locais, haviam passado pelos dois centros digitais paulistanos, que ficam abertos ao público em geral. Apenas na cidade de São Paulo, cerca de duas mil pessoas, vindas principalmente da região central de bairros da zona Sul, frequentam o espaço, segundo Mariana Lorca, responsável por Relações Internacionais da Fenavape e gestora do Poeta no país: “O próprio público divulga o programa, atraindo as comunidades”.
Isso significa que, em apenas nove meses de funcionamento, as duas unidades do Poeta no Brasil superaram largamente a meta estabelecida pelo Trust for the Americas para o primeiro ano, de 150 capacitações de pessoas em cada centro. Cada unidade também deveria receber mil usuários avulsos em 12 meses. A perspectiva, agora, é de que o apoio da organização, filiada à Organização dos Estados Americanos (OEA), se estenda por três anos. “Estamos discutindo a sustentabilidade com os demais participantes do Poeta nas Américas, com troca de experiências em práticas bem-sucedidas e busca de novos patrocínios”, diz Mariana.
Para estabelecer os dois centros digitais, o Trust of Americas investiu US$ 140 mil, parte em recursos financeiros (US$ 32 mil), parte relativa à doação de tecnologia adaptada pela Microsoft (US$ 108 mil). A contrapartida da Avape foi de US$ 6 mil, aplicados na adaptação das salas, além das despesas mensais com professores, em média de US$ 2,6 mil.
Dos jovens capacitados até junho, em São Paulo e Santo André, 60% eram portadores de necessidades especiais e os demais estavam em situação de vulnerabilidade social. Entre os primeiros, grande parte é de trabalhadores do Programa de Reabilitação do INSS, que foram aposentados em consequência de acidentes, inclusive de trabalho.
Como aconteceu com Vagner de Paulo, de 32 anos, que mora em Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Após sofrer um acidente de moto, em 1997, quando tinha 18 anos e trabalhava como assistente de caixa em uma loja, ele ficou com uma lesão no tornozelo, que limitou sua capacidade de locomoção. Com dois filhos, Vagner passou a viver do benefício do INSS. Depois que entrou no curso de operador de computador na Avape de São Paulo, ele mudou sua visão de futuro: “Estou me atualizando. Estar aqui me abriu a cabeça, voltei a estudar. Antes, eu não fazia nada”, conta ele, que havia abandonado a escola no primeiro ano do ensino médio.
Os demais alunos são pessoas geralmente em busca da primeira oportunidade de emprego. Samuel Cordeiro, de 29 anos, tem uma deficiência intelectual. Por conta dessa limitação, só conseguiu concluir o ensino médio em 2007, aos 25 anos. Mas nunca procurou emprego, não se sentia apto para exercer um cargo onde quer que fosse. Mal começou a fazer o curso do Poeta, sua chance surgiu: foi contratado, em setembro, pelo Banco Itaú. Assumiria uma função em atendimento tão logo concluísse o curso de atendimento ao público, naquele mesmo mês, na Avape de São Paulo. Samuel, que mora em São Mateus, na periferia de São Paulo, já tinha feito dois cursos, de informática básica e de internet. Ele ingressou no banco com salário de R$ 790. Mas, assim que receber o certificado do curso, passa a ganhar R$ 883 por mês.
A Avape, entidade filantrópica de assistência social, foi selecionada pela Trust for the Americas por seu perfil, segundo Mariana. Com uma rede de 27 unidades, 14 próprias e 13 licenciadas, a organização dedica-se a promover direitos, inclusão, reabilitação e capacitação de pessoas com todos os tipos de deficiência e também pessoas em situação de risco social. Fundada em 1982 no ABC, região metropolitana de São Paulo, é considerada modelo em gestão e foi a primeira organização social do mundo a receber o certificado ISSO 9001, pela Det Norske Veritas (DNV).
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