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Fala aí, mano!

Rádio de rua, produção de jornal, gravação de vídeos: capacitações trabalham a comunicação dos jovens. Luciana Machado

ARede nº75, novembro de 2011 – Todos os sábados o estudante Rafael Pereira de Araújo, de 15 anos, sai pelas ruas da cidade Tiradentes, zona Leste da cidade de São Paulo, guiando um triciclo família. Enquanto encena um pequeno ato teatral no meio da rua, com dois colegas de “palco”, divulga a agenda cultural do bairro. “Este final de semana vai ter teatro, música e aula de artesanato. Vocês estão todos convidados”, anuncia, ao microfone, em uma ação chamada “rádio de rua”. O convite verbal vem acompanhado de um impresso, o Fanzine, jornal com reportagens e agenda cultural do bairro. Aqueles que se interessam em deixar suas sugestões, reclamações e ideias são convidados a acessar o blog da comunidade e redes sociais, como o Facebook e o Twitter.

A comunicação é uma das ferramentas de inclusão digital para quem vive na Cidade Tiradentes. É o meio pelo qual chegam os pedidos de ajuda. Também é a causa pela qual muitos jovens se engajam em atividades culturais. E tudo ocorre em um espaço amplo, batizado de Centro Cultural Arte em Construção. O galpão de 1.600 metros quadrados estava abandonado há pouco mais de cinco anos. Era usado por traficantes, segundo os moradores. Por pressão da vizinhança, a prefeitura emprestou o terreno sujo e sombrio para o Pombas Urbanas, um grupo de teatro engajado em levar arte e cultura para a comunidade. Foi assim que nasceu o Coletivo de Comunicação Comunitária, uma iniciativa cuja especialidade é comunicar.

No galpão, os jovens aprendem a fazer um jornal, gravam vídeos de divulgação de seus trabalhos e discutem formas eficazes de falar com a população. Boa parte dos integrantes do projeto se engaja de tal forma no exercício de comunicar que melhora as notas na escola. “Eles se tornam mais tolerantes e aprendem a ouvir e respeitar com a mesma atenção que gostariam de serem ouvidos”, diz Natali Conceição Santos, uma das lideranças do projeto. Esse é apenas um dos resultados positivos. Boa parte desses adolescentes, diz Natali, passa o dia no centro cultural. Longe das drogas e do crime.

Comunicar, no entanto, só faz sentido se o interlocutor tem o que dizer. E esses jovens têm um discurso afiado. No galpão onde foi criado o centro cultural há uma biblioteca, uma sala de aula e um palco para as apresentações de teatro. É lá que meninos e meninas treinam e ensinam o que aprenderam. Os mais novos costumam preferir atividades de teatro. Os mais velhos optam por aulas de artesanato. Aprendem um ofício enquanto trabalham com materiais recicláveis e pintura em tecido. “Não é só um passatempo, é também uma forma de aumentar a renda dessas pessoas”, diz Natali.

O projeto desperta o sonho de muitos jovens como Rafael. Filho de um aposentado e de uma empregada doméstica, o menino imagina um futuro tão colorido quanto as roupas que veste. Ainda no primeiro ano do ensino médio, já tem planos de cursar faculdade e se tornar engenheiro civil. “Acho que estou fazendo a escolha certa. Aqui aprendi a notar as diferenças entre o que é bom e o que é ruim. Sei que nossas escolhas definem o que será de nós”, diz.

Boa parte dos professores é voluntária. Outros recebem uma ajuda de custo, apoiados pelo Ministério da Cultura. No centro cultural estão surgindo outros grupos de teatro semi-profissionais, que se apresentam em escolas e casas de show da região. “É possível que alguns alcem voos mais distantes e se desprendam de nós. Mas estou certa de que o contato com o nosso projeto e a gratidão pelo que fizemos por eles estará sempre presente em suas vidas”, diz Natali.

A Cidade Tiradentes é um bairro com cara de cidade. É o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina, com cerca de 40 mil casas e apartamentos. Está localizada a 35 quilômetros do centro de São Paulo e, para boa parte dos moradores, funciona como bairro-dormitório. Para se locomover de transporte público até o centro da cidade leva-se cerca de duas horas e meia. O tempo gasto no transporte é tanto que as pessoas praticamente só usam a casa para dormir.

E as opções de lazer são poucas pela região. O que os jovens do Coletivo de Comunicação Comunitária querem mostrar é que não é preciso buscar cultura fora do bairro. Lá, bem perto de suas casas, existe um lugar onde é possível levar os filhos, fazer um curso e ler um livro. Tudo de graça. O esforço de pedalar pelas ruas do bairro divulgando as atividades e entregando o jornalzinho começa a dar frutos. As peças de teatro estão lotadas nos finais de semana e já há lista de espera para alguns cursos.

Recentemente, o grupo de jovens responsáveis pela comunicação do projeto adaptou um mini-estúdio para editar áudios e vídeos que divulgam pela internet. Os grupos de teatro produziram um CD com músicas próprias que passou a ser vendido pelos organizadores do projeto. “A tecnologia de inclusão social não só foi capaz de aproximar os jovens da cultura, como está dando a chance de inseri-los na comunidade. Tenho certeza de que será o começo de uma vida promissora para muitos que frequentam o projeto”, diz Natali. O Coletivo de Comunicação Comunitária, criado há dois anos, atende cerca de duas mil pessoas da comunidade.

www.pombasurbanas.org.br

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