Computadores e futuros renovados
Jovens em situação de vulnerabilidade e risco aprendem um ofício e se preparam para sair da exclusão social Anamárcia Vainsencher
ARede nº75 novembro de 2011 – “Alto astral, muita energia, brilho nos olhos de centenas de jovens e adolescentes que não querem saber de domingos e não aceitam feriados”. Essa é a marca registrada do Centro de Recondicionamento de Computadores do Recife (CRC Recife ), na avaliação de Domingos Sávio de França, o responsável pelo projeto que atende indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social de onze bairros da Região Metropolitana de Recife (PE). No CRC, Sávio se dedica à formação de jovens de 16 a 29 anos, de ambos os sexos, que estejam cursando ou que tenham concluído o ensino médio em escolas públicas. Esses jovens moram em uma região de extrema desigualdade: enquanto a renda média do responsável pelo domicilio é inferior a R$ 500, a renda de cerca de 11% dos residentes é superior a 20 salários mínimos.
Os frequentadores do CRC, mantido pelo Centro Marista Circuito Jovem do Recife, não gostam de domingos e feriados simplesmente porque nesses dias o espaço não funciona, explica Sávio: “Ao longo do tempo, o projeto cresceu de 40 jovens por turma, para 150, sem botar um em cima do outro”. Para preparar jovens para um futuro profissional na área das novas tecnologias de informação e comunicação, os cursos oferecidos pelo CRC-Recife incluem a produção e o uso de computadores, a configuração de redes, o empreendedorismo e a metarreciclagem. Além disso, o projeto dá assistência a empreendimentos cooperativos que surgem durante o processo de formação. E também coloca à disposição da sociedade uma infraestrutura para tratamento responsável de resíduos eletrônicos de informática. “A gente vê nos jovens o gosto de limpar um monitor que chega sujo, de reparar uma placa mãe”, conta Sávio.
Dos mais de três mil jovens que passaram pelo CRC-Recife, entre 2009 e 15 de setembro de 2011, 645 foram formados no ofício de recondicionador. A taxa de inserção desses alunos no mercado de trabalho foi da ordem de 40% a 50%. “Queremos chegar a 80%”, diz Sávio, revelando que nove egressos do projeto hoje são bolsistas do CNPq. E acrescenta: “Com a santa audácia que nos move, podemos dizer que no CRC-Recife nasceu o Porto Digital 2”.
Entre junho de 2010 e junho de 2011, foram doados 1.295 computadores ao CRC Recife. Com essas máquinas, os jovens produziram 84 kits de telecentros (um servidor, dez terminais e uma impressora), que foram encaminhados ao programa Computadores para Inclusão, do governo federal, e distribuídos nas regiões Norte e Nordeste. Mas a base do trabalho do Centro Marista Circuito Jovem não é a produção de máquinas e sim os serviços e as ações focadas na proteção social. O processo de produção do CRC é movido pela necessidade social de tratamento do lixo eletrônico. A demanda por centros que possam receber, tratar, reciclar e preparar os materiais eletrônicos para perfeito descarte é um dos grandes desafios.
O valor investido no projeto foi de R$ 1,52 bilhão, dos quais 59,8% foram recursos não reembolsáveis, captados nos ministérios do Planejamento, e da Ciência, Tecnologia e Inovação, em organizações privadas nacionais (projetos cooperativos e doações), e 40,2% provenientes de recursos próprios da União Norte-Brasileira de Ensino e Educação. A perspectiva é ter quatro turmas em recondicionamento; quatro de recondicionadores e uma turma da incubadora; 670 jovens por ano.
A base tecnológica do CRC Recife é o software livre. Nos cursos de formação e capacitação são utilizadas ferramentas Linux e softwares apoiados pela Licença Pública GNU, que garante liberdade de uso, alteração e cópias de todos os programas utilizados. A opção pelo software livre advém da raiz filosófica do pensamento em comunidade e autonomia para interagir com as soluções de tecnologia. Assim, o jovem formado pelo CRC tem autonomia não somente para usar as TICs, mas também para transformar, interagir, questionar e até melhorar esses artefatos digitais.
A infraestrutura tecnológica do CRC compreende um telecentro com 22 máquinas completas, um servidor de testes de projetos, banda larga de 8 Mbps (colocada à disposição pela RNP, em parceria com a Faculdade Marista) e equipamentos para recondicionamento de componentes eletrônicos (soldadores, capacitores e peças de reposição). Em caráter experimental, foi criado o grupo de estudos Konesans, que faz projetos de robótica com softwares livres, hardwares reaproveitados do descarte do recondicionamento de computadores e lixo reciclável.
A prática social de atuação do CRC une, dentro do mesmo ambiente, elementos de tecnologia, consciência ambiental e social. As atividades para formação profissional se baseam nas tecnologias de informação mas, além da técnica, como parte de um projeto social maior, o CRC desenvolve ações que valorizam a vida, o ser humano e o seu ambiente. É grande a preocupação com uma formação cidadã e ética dos jovens.
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