Com direito à dignidade
Pessoas com deficiência recebem formação em tecnologia e conquistam um lugar no mercado de trabalho
Patrícia Benvenuti
ARede nº 94 – especial novembro de 2013
Paulo Francisco da Silva Júnior, 39 anos, nunca tinha ouvido falar da Lei de Cotas, até ir a um posto do Centro de Apoio ao Trabalho (CAT) em São Paulo, em 2011. Ali, soube que poderia se candidatar a uma vaga reservada a pessoas com deficiência. Júnior tem mobilidade reduzida na mão direita. Sua visita ao CAT, porém, renderia outras surpresas. Descobriu a possibilidade de se inscrever para diversos cursos, ser indicado a um emprego e, o melhor, sem pagar nada por isso.
Júnior então ingressou no Instituto da Oportunidade Social (IOS), que oferece capacitação a jovens de baixa renda e pessoas com deficiência a partir de 16 anos. Criado em 1998, o IOS promove cursos gratuitos de Administração e Tecnologia da Informação (TI). Os treinamentos têm foco no sistema ERP, utilizado por cerca de 28 mil empresas no país e desenvolvido pela empresa TOTVS, principal mantenedora da iniciativa. A partir do conhecimento dos sistemas de informática, os alunos vivenciam a rotina de uma empresa, como o funcionamento de um departamento de compras, estoque, financeiro e setor de recursos humanos. Há também aulas de informática, português, matemática, comunicação e expressão, além de auxílio para elaboração de currículos e entrevistas. “Você aprende a encarar e superar desafios de outra forma. O IOS foi um divisor de águas na minha vida”, resume Júnior. A instituição também fez a ponte entre o ex-aluno e a TOTVS, que o contratou para trabalhar na área de planejamento.
Desde 2009, 800 alunos foram capacitados, dos quais 123 foram contratados depois do curso. Segundo a gestora executiva do Instituto, Kelly Christine Barbosa do Valle Lopes, o objetivo é facilitar o ingresso dos cidadãos no mercado de trabalho, desafio que ainda precisa ser superado. Apesar da Lei de Cotas (8.213/91), que reserva de 2% a 5% de vagas em empresas com mais de cem funcionários, apenas 1,6% dos trabalhadores com deficiência estão formalmente empregados. Se a lei fosse cumprida à risca, o número deveria dobrar, passando dos atuais 325,3 mil para 700 mil, de acordo com dados do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade). Kelly atribui a resistência das empresas à falta de conhecimento sobre as potencialidades das pessoas com deficiência. “Hoje é tudo muito corrido. As pessoas ficam com medo de incluir alguém com limitações na equipe e ‘atrapalhar’ a rotina”, explica. Para derrubar esse mito, segundo ela, o IOS aposta em um trabalho de conscientização junto aos empresários, a fim de que eles não apenas contratem pessoas com deficiência, mas adaptem os ambientes para recebê-las.
Antônio Marcos Santos de Oliveira, de 30 anos, sabe bem a necessidade de uma estrutura adequada. Deficiente visual, ele conta ter passado por diversas empresas que não estavam preparadas para a acessibilidade. Agora, por meio do IOS, atua na área de vendas de uma empresa que, segundo ele, oferece o suporte necessário. “Muitas empresas têm deficientes, mas não deixam a pessoa crescer, não exploram o seu potencial”, reclama. Além da indicação para seu atual emprego, Oliveira destaca as aulas de informática como o ponto mais positivo da sua passagem pelo IOS”. Eu não tinha nenhuma noção de computação, aprendi bastante”, comemora.
Nas salas de aula do Instituto, os alunos dispõem de diversas tecnologias assistivas: ampliadores de tela, lupas, monitores adaptados, entre outras ferramentas. Há também professores de Libras e uma infraestrutura física (rampas e elevadores) voltada às diferentes necessidades. Responsável pelos cursos que atendem as pessoas com deficiência no IOS, Rodrigo Possert explica que, com a ajuda da tecnologia, elas podem aproveitar os conteúdos oferecidos a todos os beneficiados do IOS. Mas a importância da iniciativa, para ele, vai além: “Muitas vezes recebemos alunos com baixa estima e sem confiança. Durante o curso eles se transformam, ganham motivação”, relata.
Graduado como tecnólogo em rede de computadores, Anderson Carlos Morretto, de 29 anos, estava desempregado há dez meses quando foi selecionado para participar de um curso de contabilidade no IOS este ano. Morretto tem uma deficiência auditiva congênita e destaca a importância das aulas de português para melhorar sua comunicação. “Me esforcei muito para aprender a escrever uma redação”, conta o jovem, que já viu seu empenho reconhecido. Depois do curso, foi contratado para trabalhar na área administrativa de uma empresa.
Além de oferecer turmas livres, o IOS também realiza formações específicas para empresas, que querem preencher suas cotas com profissionais já qualificados. O Instituto desenvolve ainda, em parceria com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Projeto IOS de Reabilitação Profissional, que capacita segurados que adquiriram deficiência em acidentes de trabalho.
O IOS já atendeu, desde o seu surgimento, quase 22 mil pessoas. Na grande maioria, jovens de baixa renda, de 15 a 24 anos, estudantes ou formados em escolas públicas. Segundo a instituição, em média 62% dos aprovados conseguem ingressar no mercado até seis meses depois da conclusão do curso. O Instituto mantém hoje quatro unidades e 13 franquias, viabilizadas por meio de parcerias com mantenedores locais em sete estados. O orçamento anual da iniciativa é de R$ 4 milhões, dos quais mais de 80% provêm da TOTVS, que fornece ainda as licenças dos softwares. O restante das verbas vem de outras empresas, que também garantem a participação de seus funcionários em workshops. Para o futuro, a ideia é oferecer capacitações online em TI para alcançar novos públicos.