Tim Berners-Lee: “A internet deve servir a humanidade”

Sir Tim Berners-Lee, fundador da World Wide Web, afirmou ser contrário ao corte da conexão de usuários por compartilhar conteúdos na rede.

02/12/09 – Sir Tim Berners-Lee, fundador da World Wide Web, falou ontem ao Science and Technology Options Assessment (Stoa), órgão do Parlamento Europeu dedicado ao estudo de novas tecnologias. Em entrevista coletiva, ele afirmou ser contrário a “medidas drásticas” para proteger os direitos na internet e advertiu que desconectar os usuários por compartilhar conteúdos com direitos autorais poderia ser um castigo “cruel e incomum”.

Leis aprovadas recentemente na França e na Inglaterra autorizam o corte de usuários. Na Espanha, uma comissão criada pelo governo para estudar a “pirataria” na internet propõe algo semelhante: a criação de uma comissão administrativa que poderá bloquear as páginas que permitam o compartilhamento de conteúdo com direitos autorais, sem necessidade de processo judicial anterior.

Berners-Lee advertiu que o controle dos movimentos dos usuários na rede, necessário para detectar se descumprem as leis de propriedade intelectual, pode representar uma violação dos “direitos fundamentais” das pessoas. O site do parlamento publicou uma entrevista com ele, onde diz que o poder da internet reside no fato dela ser livre e acessível. Veja a matéria abaixo:

A quem pertence a Internet? Ao homem que, há cerca de duas décadas, inventou as hiperligações e o primeiro motor de busca? Esse homem chama-se Tim Berners-Lee, um físico subatômico defensor de uma internet livre e acessível. “A internet deve servir a humanidade” foi a principal mensagem de Berners-Lee durante a reunião anual do STOA, um painel de investigação científica do PE que, juntamente com peritos externos, contribui para a elaboração de políticas de natureza tecnológica ou científica.

Pergunta: A sua comunicação no Parlamento Europeu intitula-se Uma Internet livre a acessível a todos. Trata-se de uma pergunta, de um desejo ou de uma afirmação?

Resposta: É um desejo, claro. É assim que eu desejaria a Internet do futuro e é um dos motes da nossa recém-criada fundação. Uma das características fundamentais da Internet é que com um simples clique chegamos a todo o lado. Não existe uma Internet francesa nem uma Internet inglesa: estão todas ligadas e não podem ser separadas. A Internet não está dividida em documentos de qualidade e documentos sem qualidade e também não está dividida em Internet académica e Internet comercial. Não existe discriminação, trata-se de uma única Internet, livre e acessível. É aí que reside o seu poder”.

P – A sua visão de uma Internet livre e acessível é compatível com o facto de algumas empresas privadas, nomeadamente a Google, monopolizarem e comercializarem o acesso?

R
– Não posso falar de empresas individuais. Sei que as pessoas estão preocupadas com os monopólios e também sei que essas preocupações podem alterar-se de um momento para o outro. Existe o receio de um aumento do controlo exercido por uma empresa ou governo. É importante que a Internet se mantenha livre e acessível.

P – O escritor de ficção científica Stanislaw Lem disse que “não sabia que existiam tantos idiotas até começar a utilizar a Internet”. Será a abertura da Internet uma das suas fragilidades?

R
– É uma questão complexa. As pessoas podem ler tudo o que quiserem na Internet mas isso não significa que tenham de o fazer. A maioria das pessoas confia em determinados blogues, tal como confia em determinadas pessoas. A Internet também funciona muito em função das recomendações. O mesmo sucede se formos a passear numa rua da nossa cidade e apanharmos folhetos e papéis soltos: a informação obtida será provavelmente de fraca qualidade. Se, pelo contrário, lermos livros e jornais recomendados, a qualidade será melhor. Na Internet a resposta é: a tecnologia é a ligação. Funciona quando as pessoas confiam na qualidade das ligações. Se encontrarmos algo de que não gostamos, voltamos atrás. A resposta está em voltarmos atrás e nunca mais regressarmos a esse sítio ou ligação.

P – Os políticos dos EUA e a própria democracia dos EUA parecem ter sido transformados pela Internet. Na sua opinião a Europa está a seguir o mesmo caminho?

R
– Penso que a Internet pode ajudar as pessoas a comunicar de uma forma mais eficaz. A principal característica das últimas eleições presidenciais nos EUA foi a comunicação. Muitas pessoas envolvidas na pesquisa de temas e no acompanhamento de políticos. O que eu realmente gostaria de ver seria a utilização da Internet para debates responsáveis. Gostaria que os políticos fossem responsabilizados através da Internet. Se disserem algo, devemos poder aceder a uma análise equilibrada por parte de cidadãos e peritos, e poder participar no debate. Claro que isto remete para muitas questões sobre quem são afinal os peritos, em quem podemos confiar, o que devemos ler e como garantir que aquilo que lemos não é escrito por um idiota. A minha esperança está no desenvolvimento de sistemas democráticos mais poderosos e menos baseados em frases bem sonantes. A televisão transmite frases bem sonantes, espero que a Internet possa trazer os argumentos das eleições, para que as pessoas sejam responsáveis pela veracidade do que afirmam e demonstrem o devido respeito.