Lei de Direitos Autorais: Transparência Hacker faz análise sobre a consulta pública.

Maneira de construir as plataformas para consultas públicas tem influência importante sobre o resultado dessas consultas, conclui a análise.

08/09/2010

O Transparência Hacker, um grupo de hackers que cria possibilidades de uso da internet em ações de cidadania, fez uma análise dos dados gerados pela Consulta Pública da nova Lei de Direitos Autorais. No dia 24 de agosto, sete dias antes de acabar o prazo da consulta pública, o grupo usou um robô programado para extrair os dados disponíveis no sistema e contar as participações.

No levantamento, os hackers descobriram que um único cidadão “contribuiu” 120 vezes com a consulta em cerca de duas horas. Além disso, apenas cinco dentre os quase 700 usuários foram responsáveis por 650 comentários, o que corresponde a aproximadamente 11% de todos os comentários feitos até então. A maior parte desses 650 comentários era contrária à revisão e a favor da manutenção da lei atual. Vale lembrar que os maiores opositores à revisão da Lei de Direitos Autorais são a indústria cultural e seus representantes, os detentores desses direitos, enquanto o MinC pretende realizar mudanças para ampliar o acesso da sociedade a bens culturais.

A contagem foi realizada nos termos estabelecidos pelo próprio Ministério da Cultura (MinC) para a consulta pública. O levantamento é parcial, porque depois dele houve mais de mil contribuições, a maior parte delas favoráveis a mudanças na lei. Também vale observar que a análiose não foi do mérito das contribuições, e sim sobre como as pessoas que contribuíram se colocaram em relação à revisão da lei. Uma das conclusões importantes do trabalho foi que os termos escolhidos para fazer uma consulta pública e sua expressão em software, na plataforma desenvolvida para a consulta, determinam também caminhos políticos. E vice-versa.

As pessoas podiam contribuir, no site, de duas maneiras. A primeira era enviar propostas de alteração do texto de lei, acréscimo de artigo, parágrafo, alínea ou inciso, de retorno ao texto da lei original e de exclusão total do trecho. A segunda era expressar sua opinião, clicando em “concordo com a alteração”, “não concordo” e “concordo com ressalvas”. As opções de “alteração” e “acréscimo” exigem o envio de um texto justificativo da posição. Isso, de acordo com a avaliação dos hackers, facilitou um direcionamento incisivo, na consulta, ao retorno à redação original da lei, porque privilegiou o número de contribuições (quem fala mais, ganha) em detrimento do debate entre posições.

O sistema de contribuição mudou no meio da consulta, quando o MinC percebeu o que estava acontecendo, de acordo com o relatório dos hackers. Um aviso em letras vermelhas foi publicado no topo da página da consulta: “não será admitida mais de uma contribuição para o mesmo dispositivo. A contribuição mais recente irá substituir a anterior”. A decisão de admitir só uma contribuição por endereço IP “acabou por restringir a possibilidade de diálogo entre aqueles que pretendiam aproveitar o espaço aberto para realmente ajudar na qualificação da proposta”, conclui o trabalho. “Acima de tudo, a internet é um poderoso instrumento de conversação e produção de entendimento. Portanto, em nossa avaliação, um bom dispositivo interativo de consulta política deve promover o debate e permitir diálogos”.

Daniela Silva, participante do Transparência Hacker, explica que esta análise só foi possível porque o MinC realizou a consulta em uma ferramenta baseada em software livre e que isso favorece, e muito, a transparência do processo. E acrescenta que a experiência gerou pontos importantes para começar um debate sobre como discutir minutas, projetos de lei ou políticas públicas na rede. “Estamos experimentando modelos, e isso é ótimo”, constata. Mas a tecnologia, nesse caso, não é a solução. “É preciso criar um processo político que contemple as possibilidades da tecnologia, mas que se preocupe principalmente em garantir a participação, a diversidade de opinião e o debate público”, diz ela. O Transparência Hacker, assim como ARede, é favorável à revisão da lei. Veja o relatório completo da análise aqui.

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