TV pública já é lei

O Congresso aprovou a criação da EBC e do sistema de radiocomunicação pública, que começa a se articular com outras emissoras públicas.

O Congresso aprovou a criação da EBC e do sistema de radiocomunicação pública, que começa a se articular com outras emissoras públicas.


Antena da TV Cultura,
em São Paulo, que
exibe o "Roda Viva",
programa de entrevistas
já integrantes da EBC.
Sem dúvida, foi uma importante vitória a aprovação, pelo Senado, em meados de março, da criação da TV pública. Foi preciso uma grande manobra política das lideranças do governo para fazer passar o projeto de lei de conversão, PLV 02/2008, do deputado Walter Pinheiro (PT/BA), sem que fosse alterado pelos senadores. Caso contrário, o texto teria que voltar à Câmara dos Deputados e a MP 398, de 2007, que criou a TV pública, perderia sua validade. E tudo teria que voltar à estaca zero.

Embora nem todos os pontos considerados deficientes na MP tenham sido superados, o PLV introduziu alterações no texto que vão dar mais estabilidade e eficiência ao sistema. A contribuição mais relevante do relator foi a criação da Contribuição para o Fomento da Radiocomunicação Pública, a ser paga pelas empresas de telecomunicações e de radiocomunicação. Embora se trate de uma nova taxa, não vai significar aumento do que já é pago pelas empresas, pois ela representa exatamente o percentual (5%) do que vai ser reduzido da contribuição hoje feita por essas empresas ao Fistel, o fundo de fiscalização dos serviços de telecomunicações. A contribuição cria uma segunda fonte de sustentação da Empresa Brasileira de Comunicação — EBC, que, até então, tinha como fonte principal os recursos orçamentários, o que a tornava não só extremamente dependente do Executivo como muito vulnerável aos cortes orçamentários.

Pelos cálculos feitos por Pinheiro, essa contribuição deve render aos cofres da EBC cerca de R$ 300 milhões (considerando-se a arrecadação do Fistel em 2007) ao ano, quantia bem próxima dos R$ 350 milhões/ano estimados para o seu financiamento. Mas a saída encontrada pelo relator vai enfrentar contestações da oposição. O deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC) já avisou que pretende recorrer à Justiça por considerar a criação da contribuição inconstitucional, já que, diz, só o Executivo pode criar novo imposto. O recurso aguardava a sanção, pelo presidente da República, do PLV da TV pública (o prazo para publicação se encerrava em 7 de abril).

O relator também introduziu algumas mudanças na composição do Conselho Curador da EBC, ampliando e regionalizando sua representação. Câmara e Senado passam a estar representados no Conselho. Mas não mexeu em um ponto da MP muito criticado pelo movimento em defesa da democratização das comunicações. A nomeação dos diretores da EBC, assim como de seu conselho de administração, é competência exclusiva do Executivo, embora a demissão de qualquer diretor tenha que ser apreciada pelo Conselho Curador.
Eugenio Bucci, ex-presidente da Radiobrás e integrante do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, em vários artigos e pronunciamentos, defendeu que a garantia da independência da TV pública, sobretudo frente ao Executivo, exige uma ampliação das atribuições do Conselho Curador, como a nomeação da direção da EBC. Ele também considera inadequada a subordinação da EBC à Secretaria de Comunicação Social — Secom da Presidência da República, dado seu caráter de formuladora e defensora da imagem institucional do Executivo. Por isso, propôs que a EBC fosse deslocada para o âmbito do Ministério da Cultura, sugestão não acatada no PLV.

Por fim, o projeto aprovado é mais restritivo do que a MP do Executivo em relação à veiculação de publicidade nas emissoras públicas, uma demanda das emissoras de radiodifusão privadas: anúncios de produtos e serviços estão proibidos. E a publicidade institucional está limitada a 15% da grade da programação. Mas a alteração introduzida pelo relator para acabar com o monopólio da programação dos certames esportivos, que atende a um velho anseio da sociedade, pode acabar vetada pelo presidente Lula, segundo afirmou o líder do governo no Senado, Romero Jucá, nas articulações para conseguir os votos necessários para aprovar o PLV. Pelo texto aprovado, a emissora que comprar os direitos de um campeonato esportivo de âmbito nacional, em qualquer modalidade, e não o transmitir por qualquer motivo, fica obrigada a liberar a transmissão para a TV pública.

Para a TV pública ser uma realidade no país, no sentido de ser uma alternativa real à TV comercial, não basta a sua institucionalização. Ela precisa ter presença nacional. Na avaliação do ministro Franklin Martins, da Secom, justamente por não ter se beneficiado, como a TV comercial, da construção de uma rede nacional fomentada nos governos militares é que a TV pública brasileira sempre ocupou um espaço marginal e complementar: além do papel educativo, só era levada para marcar a presença do Estado onde não havia interesse da TV comercial.

Por isso, o projeto da TV pública, reconheceu Martins, deu especial atenção à contrução da rede nacional. A TV Brasil busca, agora, transformar-se na Rede Brasil de Televisão (nome provisório), presente inicialmente em 22 unidades da federação. Para a criação da rede, foi constituído um Comitê de Rede das emissoras, do qual participam estações oficiais de governos aliados e de oposição. “Não é uma iniciativa do governo, é um esforço para criar um instrumento público de comunicação”, disse o diretor de relacionamento da EBC, Mário Borgneth, em entrevista ao “Estado”. Este mês, devem ser retomadas as reuniões do Comitê, suspensas em março devido a controvérsias na cláusula que trata das transmissões esportivas.  Com a TV Cultura, de São Paulo, as negociações andam avançadas. E devem prever co-produções.

Às antigas TVs Educativas do Rio e do Maranhão e TV Nacional do Distrito Federal (que era da Radiobrás) — fundidas para formar a TV Brasil, que também tem dois canais em São Paulo — juntaram-se outras 19 emissoras públicas no comitê. Estão na estrutura as TVs Educativas de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina; TVs Cultura do Amazonas, Pará e São Paulo; TVs Universitárias de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Caxias do Sul (RS); Rede Minas (MG); TV Aperipê (SE); Rede Sat (TO); TV Aldeia (AC); e TV Antares (PI). Elas formam o núcleo da rede, que poderá ser ampliado, segundo Borgneth: “O fato de começarmos com essas TVs não quer dizer que não possamos incluir na rede outras emissoras comunitárias, universitárias e legislativas.”

Conteúdo nacional na TV paga

As negociações em torno do PL 29, que cria um regime único para a TV paga no Brasil (hoje são três regulamentações diferentes), permite às prestadoras de serviços de telecomunicações atuarem nesse mercado e estabelece cotas para o conteúdo nacional, estavam praticamente concluídas e a expectativa era de que, durante o mês de abril, ele fosse aprovado na Câmara dos Deputados. Depois, seguirá ao Senado.

Para construir um projeto de consenso, que pudesse angariar apoios entre as partes envolvidas, especialmente dos radiodifusores resistentes à entrada das teles nesse mercado, o deputado Jorge Bittar (PT/RJ), relator do projeto, cedeu em vários pontos. Reduziu a participação do capital estrangeiro e das teles (mesmo nacionais) para até 30% do capital das produtoras de conteúdo e programadores consideradas nacionais.

A cota de 10% de conteúdo nacional da programação audiovisual considerada relevante (excluídos noticiários, programas esportivos e religiosos) foi mantida, mas, nos pacotes comercializados, o percentual obrigatório de canais BR, aqueles programados por empresas nacionais, caiu de 50% para 25%. Também foi reduzido o percentual obrigatório de programação regional e independente que, na radiocomunicação pública, será de 20% e 5% do total da grade, respectivamente. O PL 29 reforça a obrigatoriedade de must carry prevista no PLV da TV Pública. As prestadoras de TV paga terão que carregar os canais institucionais (Câmara, Senado, Justiça e do Executivo, além da TV Pública). São obrigadas ainda a carregar os canais abertos na tramissão analógica, mas, na transmissão digital, não haverá tal obrigatoriedade. Carregar ou não os canais abertos será objeto de negociação.