07/11/2011
Do jornal OGlobo, publicada em 06/11
Mais de R$80 milhões depois, o programa Um Computador por Aluno (UCA) acumula problemas. Projeto federal que distribui laptops a alunos dos ensinos fundamental e médio, o UCA, criado em 2007, tropeça quando o assunto é treinamento de professores e infraestrutura. Por conta disso, quatro anos depois do lançamento, ainda é possível encontrar professores que não foram treinados e, portanto, não fazem o uso correto das máquinas, escolas sem tomadas suficientes ou armários para guardar os laptops. Mas não é só. Nem sempre as escolas contam mesmo com um computador por aluno, o que faz com que os estudantes tenham que se revezar nos equipamentos.
Segundo um relatório da Câmara dos Deputados, realizado em 2010, os problemas no UCA começaram com a implementação do programa. Cinco escolas fizeram parte do pré-piloto, em 2007, e receberam computadores doados. O levantamento feito em São Paulo, Rio, Tocantins, Distrito Federal e Rio Grande do Sul apontou que apenas a escola gaúcha tinha o “paradigma Um para Um testado em toda sua extensão”. Em São Paulo, “o uso do laptop é compartilhado por dois alunos em cada um dos quatro turnos”, de acordo com o relatório. Em Piraí, no Rio, “o acesso se restringe à escola”. No Tocantins, “o mesmo laptop é compartilhado por alunos dos três turnos”. Já em Brasília, “em face do limitado número de equipamentos, o experimento dá-se em apenas três turmas numa escola de mais de mil alunos”.
O documento mostrava ainda que, em todas as cinco escolas, as adequações físicas para o funcionamento do UCA “foram, em grande parte, feitas em caráter emergencial e de maneira um tanto quanto improvisada e com resultado pouco satisfatório.”
Após essa primeira experiência, no fim de 2009, foi licitada compra de laptops para 300 escolas. Em 2010, houve nova etapa do projeto, chamada UCA Total. Nela, foram selecionados seis municípios para envio de laptops a todas as suas escolas. Mas, novos relatórios de pesquisadores de universidades como UFJF e UFRJ mostraram mais problemas. Um dos principais foi a falta de capacitação dos professores, ou mesmo a falta de informação: um quinto deles, em cinco das seis cidades, desconhecia o projeto mesmo depois de iniciado.
Além disso, 40% dos professores dessas cidades não tinham feito curso de informática nos três anos anteriores à implantação do projeto. As piores situações foram encontradas em São João da Ponta, no Pará, onde apenas 25% o fizeram; e em Barra dos Coqueiros, em Sergipe: apenas 17%. Outro dado chamou a atenção: só um terço (34%) dos professores disse trabalhar em sala de aula com o computador.
– Não adianta ter computador sem projeto pedagógico. O uso dos computadores por si só não muda nada no ambiente escolar, não altera o processo de escolarização. Para isso, é preciso oferecer os laptops e incorporar no dia a dia as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que trazem novos desafios. Desse jeito, com auxílio dos computadores, mudaríamos a relação do aluno com o conhecimento – diz Ocimar Alvarse, da Faculdade de Educação da USP.
– Entregam os computadores, mas a gente tem que trabalhar improvisando. O programa é até interessante mas, infelizmente, funciona mal por conta, por exemplo, do revezamento do equipamento pelas turmas – diz um professor que trabalha numa escola que conta com o programa no Estado do Rio.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), em 2010, 150 mil computadores foram entregues para 300 escolas. No entanto, nem todos chegaram. Em Nazária, a 30 km de Teresina, no Piauí, os 524 estudantes do 1º ao 3º ano do ensino médio da Unidade Escolar Hilton Leite de Carvalho deviam ter começado a usar os laptops em junho do ano passado, quando a escola foi inaugurada. Ganhariam também um laboratório de informática, com 12 computadores. Quase um ano e meio depois, os mais de 500 notebooks estão em um depósito da Secretaria de Educação do Piauí, em Teresina. Tudo porque o engenheiro não instalou tomadas nas salas de aulas, e os armários, em que nos notebooks ficariam guardados, nunca foram comprados. Na unidade, o laboratório de informática também não funciona. Está trancado.
– Os notebooks vinham para cá, mas eu falei para ficar no depósito da Secretaria de Educação porque aqui não tem segurança. Os armários, onde eles devem ficar, foram licitados, mas nunca chegaram. E também não temos tomadas para todos os computadores – conta Socorro Martins, diretora da unidade, que prefere ficar sem os equipamentos para que eles não tenham o mesmo destino do datashow. – Arrombaram a escola e levaram. Os menores foram apreendidos, mas o equipamento nunca foi recuperado.
– Quando os computadores não chegaram, deram um prazo novo: abril deste ano. Estamos ansiosos. Falam que os professores estão recebendo treinamento, mas os notebooks nunca chegam – diz Natiane Costa Mendes, de 18 anos, do 2º ano.
No Rio, em Duque de Caxias, a escola escolhida, a estadual Marechal Rondon, não tem estrutura elétrica suficiente. A solução foi o improviso: os laptops são ligados à uma caixa com tomadas colocada em um carrinho que é levado para a turma que vai usar os notebooks.
Em Nova Iguaçu, os alunos da Escola Estadual Mestre Hiram também enfrentam problemas:
– Os laptops chegaram há dois ou três meses, os professores foram capacitados, mas o equipamento não está em uso porque a escola não tem armários. Estão empilhados numa sala – conta Leila da Silva Xavier, do núcleo Nova Iguaçu do Sindicato dos Professores do Rio.
Os gastos com o UCA se somam aos cerca de R$485 milhões já investidos pelo governo federal, de 1999 a 2010, em outro programa de inclusão digital nas escolas: o Proinfo. Apesar disso, segundo o último censo escolar do Inep, apenas 40% das escolas nos anos iniciais do fundamental contavam com acesso à internet. Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, divulgado em junho, coloca o Brasil em último lugar no quesito inclusão digital nas escolas, com média de um computador para 6,25 alunos.
No DF, uso de laptops sem manutenção e sem sinal de internet
Os 513 alunos da Escola Classe 10 de Ceilândia, cidade-satélite a 30 km de Brasília, usam semanalmente laptops nas aulas de Matemática, Ciências e Português graças ao projeto federal Um Computador por Aluno (UCA), que deu a cada estudante da instituição um pequeno aparelho. Os problemas técnicos, porém, atrapalham o funcionamento do programa. A internet banda larga tem velocidade de apenas 2 megas – o que obriga as classes de 35 alunos a se revezarem no acesso à rede. Mesmo assim, a conexão cai frequentemente e a manutenção dos laptops é quase inexistente. Com o projeto em vigor desde o ano passado na escola, 10% dos aparelhos estão quebrados e nenhum foi substituído.
– Não sabemos ao certo quem procurar para consertar os computadores. Tem um 0800 do fabricante para o qual a gente liga para informar, mas até hoje nenhum técnico veio – diz Michele Morais, diretora da escola, com alunos da pré-escola ao 5º ano do ensino fundamental.
Além disso, o programa, anunciado pela primeira vez em 2005, levou cinco anos para começar lá. Uma das promessas feitas pela Secretaria de Educação na época foi entregar armários para guardar os laptops distribuídos pelo Ministério da Educação. Os armários nunca chegaram e a escola teve de improvisar: tirou armários de outro projeto. Mas o móvel tem capacidade para armazenar apenas 40 aparelhos. Com isso, os alunos da manhã e da tarde têm de usar a mesma máquina. A ideia original era que cada criança tivesse um, com seu nome.
Alunos aprovam uso dos computadores em sala
Apesar das dificuldades, os alunos do 4º ano aguardam com ansiedade as quartas e sextas-feiras, quando os computadores saem do armário e aterrissam em suas mesas. Breno, de 9 anos, conta que a aula fica muito mais divertida quando a internet entra em sala. Nas aulas de Matemática, um joguinho de tabuada é a sensação.
– É muito legal. A aula (de) que mais gosto é quando tem o jogo de tabuada. No computador, a gente pode fazer os trabalhos e jogar. Fica mais fácil aprender assim – garante.
A escola explica que os professores receberam dois cursos de capacitação, mas os estudantes aprendem sozinhos a usar os laptops, e não enfrentam problemas.
Além da Escola Classe de Ceilândia, outras quatro instituições públicas de ensino fundamental são participantes do programa UCA no Distrito Federal, todas em regiões carentes.
Segundo informou por email a assessoria de comunicação do Ministério da Educação (MEC), em abril de 2010 começaram a ser distribuídas as três mil primeiras unidades do laptop do programa no país. “Elas foram encaminhadas para universidades e Núcleos de Tecnologia Educacional municipais e estaduais (NTM e NTE)”.
De acordo com a assessoria do MEC, o objetivo foi capacitar “600 professores formadores das instituições de ensino superior, responsáveis pela formação de 600 professores multiplicadores, estabelecendo uma estrutura de formação, de acompanhamento e apoio às práticas pedagógicas com o uso do laptop educacional”. O curso de capacitação, ainda segundo o ministério, tem 180 horas e é dividido em módulos, “sendo o primeiro (de 40 horas) presencial e o restante em serviço, que o professor pode fazer à distância sem precisar deixar a sala de aula”.
Sobre a situação enfrentada por muitas escolas de não terem onde guardar os computadores, o MEC afirma que “o laptop pertence à escola e cabe a ela definir como o computador será utilizado, inclusive se o estudante pode levá-lo para casa ou não”.
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