Um jeito plural de operar o telecentro

Equipamentos velhos e de má qualidade são otimizados por um sistema thin client – o Plurall.      Leda Beck

ARede nº60, junho 2010 –O pensador italiano Antonio Gramsci já dizia: a grande inovação não é descobrir coisas novas, mas torná-las acessíveis a todo mundo. Essa é precisamente a ideia por trás do Plurall, um sistema cliente-servidor do tipo thin client, que foi desenvolvido especificamente para centros comunitários, telecentros e laboratórios de informática em escolas públicas. “Anos atrás, alguns de nós trabalhávamos no Centro para a Democratização da Informática (CDI) e notamos que só chegavam computadores velhos aos centros comunitários ou rurais”, recorda a socióloga Liliane Leroux, professora do campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) na Baixada Fluminense e uma das fundadoras da ONG Movimentos em Rede.

Foi então que Ricardo Schneider, biólogo e autodidata em tecnologia, começou a estudar a arquitetura cliente-servidor e a desenvolver o Plurall, um sistema operacional que “levanta” a rede e também funciona como navegador. Baseado no sistema thin client, o Plurall tem, basicamente, um servidor parrudo e tantos computadores quanto possível pendurados nele. Se os computadores são novos ou velhos, não importa: a força da rede está no servidor, não nas máquinas individuais.

“Se não houver servidor de aplicações ou sistema operacional na rede, o Plurall funciona como um totem, ou seja, um navegador de internet para todas as máquinas”, explica Schneider. Com o Plurall, basta ter apenas uma boa máquina no telecentro – o servidor: “Essa máquina vai distribuir o sinal para as máquinas velhas e funcionar como uma espécie de memória cache, de forma que é rápido voltar a revisitar as páginas já acessadas – não é preciso carregá-las de novo”.

O projeto deu tão certo que extrapolou as competências da ONG e acabou transferido para o laboratório da Vice-Reitoria de Desenvolvimento (VRD) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que se dedica a buscar interação entre universidade e sociedade.

Ali, sob o comando do professor Dado Sutter, o desenvolvimento do Plurall prosseguiu. Nos últimos três meses, o sistema sofreu uma modernização no seu componente central, o Plurall Boot Server, que migrou para uma versão mais moderna e rápida, sem perder a simplicidade, a solidez e a baixa demanda de processamento e memória. “Em consequência, ficou ainda mais simples e fácil implementar a solução”, diz Schneider.

“A PUC não põe dinheiro aqui”, revela Sutter, gerente do laboratório da VRD, que se autofinancia com parcerias externas, particularmente, no caso do Plurall, com a Financiadora de Estudos e Projetos do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A Faperj, que também financia o projeto da Baixada Digital, interligando sem fio essa região a oeste do município do Rio, tem financiado a interconexão sem fio também do Plurall.

Um membro informal da equipe de desenvolvimento na PUC-RJ é o microempresário Marcelo Balisteri, residente na favela Vila Parque da Cidade, na Gávea, cujo telecentro foi um dos primeiros usuários do Plurall (ver texto ao lado).

Outros usuários notórios do Plurall no Rio de Janeiro são a Escola de Audiovisual Popular Cinema Nosso, a DinamiCoop (cooperativa popular de serviços de informática no Morro dos Macacos), um projeto de educação em canteiro de obras da PUC-RJ e o laboratório de História da PUC-RJ. O sistema também é utilizado pela Amarribo, ONG contra a corrupção na administração pública da cidade paulista de Ribeirão Bonito.

O sistema pode ser baixado gratuitamente da internet, onde também há um manual de instalação e operação.

www.plurall.net

Internet na favela
Marcelo Balisteri começou seus negócios como “gato”, fornecendo conexão internet clandestina na favela – o popular “gatonet”. Hoje, está legalizado na empresa Parque Online, que instalou o Plurall no telecentro da favela Vila Parque da Cidade e também no laboratório de informática da escola municipal em frente à PUC.
Há quatro anos, o Vélox, serviço de internet banda larga da operadora Oi, chegou à “primeira linha” de casas da favela, cerca de 15 residências – e a de Balisteri era uma delas. Como a Oi nunca se interessou em avançar favela adentro, Balisteri começou a atuar como provedor informal de internet a partir da sua conexão Vélox: conectou “20 e poucas casas com aquele cabinho azul”, cobrando R$ 35 de cada uma (em comparação com os R$ 62 cobrados pela Oi). Hoje, já são 180 casas da favela conectadas à internet pela empresa de Balisteri, cuja arquitetura de rede, na opinião de Dado Sutter, da PUC-RJ, “é uma coisa linda”.
Apesar do sucesso, Balisteri não esquece suas origens e critica os projetos de inclusão digital das favelas cariocas, que excluem os “gatos”. “Só na Rocinha”, diz ele, “há mais de 300 provedores clandestinos de internet e a maioria emprega uma média de dez funcionários. O que vai acontecer com esse povo quando as redes sem-fio acabarem com o seu negócio?”