Ferramenta utilizada para restringir acesso e usos de conteúdos digitais mira na pirataria, mas acerta o cidadão
Carlos Minuano
Você já ouviu falar em tecnologia DRM? A sigla, em inglês, significa Digital Rights Managements, ou, gerenciamento de direitos digitais. Serve para impedir cópias do conteúdo para CD ou disco rígido. Na prática, é uma ferramenta utilizada pela grande indústria para controlar e restringir acesso e uso de conteúdos digitais por consumidores. O alvo, em tese, são os “piratas”, que conseguem quebrar as chamadas restrições tecnológicas. Mas quem acaba atingido é o cidadão comum. Um “tiro no pé”, durante o conflito entre o direito do autor sobre sua obra e o direito dos cidadãos à cultura.
Outra vítima das restrições por proteção a direitos autorais é a educação. O problema começa na própria legislação, que não prevê a utilização desses conteúdos em caráter educacional, científico ou de pesquisa. A legalidade ou não de cópias de pequenos trechos, realizadas dentro de universidades, pautam um embate entre a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) e a comunidade acadêmica — imbróglio que acabou levando às páginas policiais professores e instituições de ensino, acusados de pirataria. “Copiadoras de faculdades chegaram a ser fechadas e pessoas foram processadas”, conta Pablo Ortelado, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos diretores do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (G-Popai).
De acordo com a lei brasileira de direitos autorais, cópias de pequenos trechos sem fins lucrativos são permitidas. Porém, para a ABDR, essa prática comum em universidades é responsável por prejuízos à comunidade científica, como a redução do número de vendas de livros. “Isso desestimula os autores a publicar seus trabalhos”, afirma Dalton Spencer Morato, consultor jurídico da entidade. Professores contestam o argumento. “Recebemos uma porcentagem irrisória de direitos autorais”, dispara Ortelado.
Inutilidade
“A produção editorial precisa estar a favor da difusão do conhecimento, e não a serviço do lucro de uma empresa privada”, acrescenta Alexandre Linares, que há dez anos atua no mercado de livros, atualmente na editora Conrad. Para ele, dados apresentados pela ABDR são muito parciais e não explicam redução das vendas: “No caso de livros universitários, a queda está ligada muito mais à qualidade de instituições de ensino e ao crescimento descontrolado do ensino privado”. No campo da ciência, o problema é maior devido aos limites de circulação de livros e revistas acadêmicas. “Manter licenças que bloqueiam o acesso é condenar esses materiais a inutilidade”, complementa Linares.
Na opinião quase unânime dos especialistas é preciso mexer na legislação. No entanto, algumas articulações apontam em outra direção, ou seja, querem dar mais força restritiva à lei vigente. “Um projeto de lei sugerido pela Associação Brasileira de Propriedade Intelectual quer ampliar restrições, como quantificar limites de trechos para cópias”, afirma Guilherme Carboni, professor da Faculdade de Direito e de Comunicações da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).
Cibergrilagem
Há quem aposte que, ao pleitear controle sobre conteúdos digitais, interesses de alguns setores possam fazer com que a rede seja transformada em um big brother. “As travas tecnológicas seguem a lógica da escassez. Para quem quer continuar a ter controle, interessa criar obstáculos à circulação de bits, seja por meio de DRM ou de vigilância”, ressalta Pedro Rezende, professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, a sociedade precisar ficar atenta à radicalização do cercamento no mundo digital.
Gerenciamento de direitos ou cibergrilagem?, questiona o professor. “A necessidade de consumir acaba amarrada à aceitação de que o fornecedor de mídia pode decidir sobre o funcionamento do hardware”. No caso da indústria fonográfica, por exemplo, o DRM controla a quantidade de execuções e o número de computadores onde as músicas baixadas da internet poderão rodar. Atualmente, existem cinco portais considerados legais: Imusica, Sonora, Musig, UOL Megastore e Baixahits. Detalhe básico, todos têm travas e são compatíveis apenas com o sistema Windows, da Microsoft.
A perda com pirataria alegada pela indústria fonográfica, no Brasil, é de R$ 334,5 milhões. O percentual do mercado ocupado pela pirataria, segundo estimativas do setor, é de 52%. São números como esses que justificam a proliferação dos mecanismos anti-cópias digitais. Resta saber como equilibrar proteção e acesso ao conhecimento. A busca por cercas digitais parece um fenômeno mundial. No Japão, por exemplo, para evitar qualquer resquício de dúvida, resolveram adotar todos os mecanismos de controle. Na Europa e nos Estados Unidos, a rede de televisão aberta ficou livre — no caso dos norte-americanos, a grande maioria são assinantes da TV paga, segmento em que o DRM está em pleno funcionamento.
Por aqui, o tema está em debate. Dia 8 de julho houve uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei que propõe o mecanismo anticópia (DRM) para a TV digital brasileira, de autoria do deputado José Rocha (PR-BA). Não se chegou a uma definição. “Pode prejudicar a concorrência, a convergência tecnológica e afetar a política industrial”, diz Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. A utilização de DRM, segundo Lemos, torna obrigatória a adoção de tecnologia estrangeira, podendo criar dificuldades para a indústria formal no país.
Do lado da indústria fonográfica, o horizonte está repleto de interrogações. Quem afirma é José Peña, gestor de novas mídias da EMI Music Brasil: “Estamos ainda aprendendo a lidar com esse momento de transformações dos modelos de negócios”. A gravadora foi a primeira a abolir o DRM e já comemora os resultados. “As vendas de álbuns na internet cresceram e já representam 46% do total vendido”, afirma.
Refletir sobre a necessidade de uma reforma na Lei de Direitos Autorais é o objetivo central do Fórum Nacional de Direito Autoral, uma série de debates promovidos pelo MinC, que percorrerá várias regiões do país até agosto de 2009. O primeiro encontro foi realizado no mês de julho, no Rio de Janeiro, com cerca de 500 pessoas. Em agosto, aconteceu em São Paulo, com cerca de 200 participantes. Em outubro, entre 28 e 30, a discussão ganha escala global no Seminário Internacional de Direito Autoral, que será realizado em Fortaleza.
www.abpi.org.br
www.idec.org.br/restricoestecnologicas www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/
http://a2kbrasil.org.br