Um canal de TV na internet dedicado à Amazônia foi lançada em janeiro, durante a Campus Party. O projeto, chamado TV Navegar, foi criado pelo cineasta Jorge Bodanzky, que trabalha na região desde os anos 1960, quando era fotógrafo da revista Realidade. A webtv tem cerca de 60 vídeos, com depoimentos gravados na Campus Party e no Fórum Social Mundial, oficinas de vídeo com os índios Ticuna, visitas às comunidades de Aiucá, Bela Conquista e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no estado do Amazonas, e o longa Viagem com Jorge Mautner, gravado nas comunidades de Abaetetuba e Tauerá-Açu, no Pará. Para os próximos meses, pretende oferecer uma programação fixa e transmitir ao vivo eventos de comunidades e de movimentos sociais. “A webtv é a maneira mais rápida e interativa de colocar esse conteúdo à disposição das comunidades e incorporar o que é produzido pelas populações locais”, explica Jorge Bodanzky.
O site está preparado para receber informações em vários formatos: textos, imagens feitas por celulares e por câmeras digitais ou enviadas por meio de ligações do Skype, serviço de comunicação de voz e imagem via internet. A tevê será o principal canal de divulgação desse conteúdo, que pode ser reproduzido em muitos formatos, pois é digital. A TV Navegar também deve realizar transmissões ao vivo, quando houver banda disponível para transmitir as imagens nos lugares por onde a equipe navega. Navegar, aqui, é uma metáfora. Quando o Navegar Amazônia, que deu origem à webtv, começou, nos anos 1990, tratava-se mesmo de um barco, o Pasco Nunes, que dava apoio à Escola Bosque, do governo do Amapá. Hoje, o barco é um símbolo de viagens pela imensa região amazônica, inclusive por países que a compartilham com o Brasil, como o Peru. Além disso, “com equipamentos mais leves e baratos, acabou a necessidade de ter um barco adaptado especificamente para o projeto”, afirma Bodanzky.
O barco pioneiro navegava no arquipélago do Bailique, contava com um laboratório de informática e de produção audiovisual, oferecia cursos e acesso à internet para alunos de escolas ribeirinhas. Com a mudança do governo do Amapá, o projeto foi descontinuado. Em 2002, o Navegar passou a ser um Pontão de Cultura. Desse período é o documentário Jorge Mautner na Amazônia, cinco episódios sobre oficinas de vídeo e de música realizadas pela equipe, no barco, com a presença dos músicos Jorge Mautner e Nelson Jacobina e do documentarista Ewaldo Mocarzel. São quilombos, cidades, florestas, canoas e barcos de todos os tamanhos indo e vindo. O sempre presente som dos rios, e muita gente fazendo música.
Ao longo do tempo, o Navegar trabalhou com vários parceiros. A Fundação Amazonas Sustentável (FAS), por exemplo, encomendou uma série de dez episódios de média duração sobre a vida nas reservas Mamirauá, Catuá-Ipixuna, Uatumã e Uacari, no Amazonas. As imagens foram feitas a partir de oficinas de audiovisual com os moradores das reservas e o resultado foi lançado no site Pele Verde, no dia 11 de maio. Nesse caso, a proposta do projeto, de divulgar imagens da Amazônia feitas por amazônidas, sofreu uma interferência nada sutil do formato escolhido para o site, que inclui um diário de filmagens extemporâneo — as viagens foram feitas entre setembro e outubro do ano passado; o diário é de abril e maio. Nas imagens, os ribeirinhos caminham com naturalidade no ambiente exuberante da floresta. As cenas mostram trabalho duro e conhecimento do mundo, ribeirinhos conscientes da riqueza natural — da qual são protetores — e das necessidades de seus habitantes. Já os depoimentos da equipe no “diário” da viagem dizem “é perigoso andar por aqui”, “é um mundo isolado, este”.
Impressionante é a visibilidade proporcionada pela web: na primeira semana, o site Pele Verde registrou 400 mil visitantes, de 140 países diferentes, conta Márcia Neves Bodanzky, assessora técnica do Navegar. O site faz parte das iniciativas da FAS, uma parceria entre o Bradesco e o governo do Amazonas, responsável pela administração de 34 unidades de conservação do estado e pelo cadastramento do Bolsa Floresta, uma ação de apoio às comunidades nativas, para evitar o desmatamento. As viagens de 2008 geraram, também, 50 horas de material filmado que vão compor o próximo documentário de longa-metragem de Bodanzky, No meio do rio, entre as árvores, a ser lançado no segundo semestre, com uma visão mais aprofundada do que acontece, hoje, nas comunidades visitadas.
Em 1974, Bodanzky e Orlando Senna dirigiram Iracema: uma transa amazônica, um dos mais importantes filmes sobre a Amazônia, censurado no Brasil até 1980, enquanto era premiado no exterior. Na época, acompanharam a Transamazônica, que era ao mesmo tempo construída e abandonada, assim como os sonhos de “Brasil Grande” da ditadura militar, que se perdiam na destruição da floresta e na pobreza.
Qual a diferença entre aquela Amazônia e a de Pele Verde? “A Amazônia de Iracema, infelizmente, ainda existe. Avançamos na devastação, levada pela soja, pelo gado, pela grilagem de terras”, constata Bodanzky. “Mas avançamos também em outro sentido”, diz ele. A população local, naquela época mais isolada, sem qualquer possibilidade de comunicação, hoje é mais organizada e trabalha com questões sobre as quais nem se pensava há trinta anos. Foram reivindicações dessas comunidades, por exemplo, que resultaram na criação de várias unidades de conservação no Amazonas, conta ele.
“É surpreendente o nível de organização, articulação e informação dessas pessoas”, afirma Bodanzky. A TV Navegar pretende ser um dos canais de divulgação dessa informação. Ainda há carência de acesso em banda larga na maior parte da região, mas Bodanzky e Márcia acreditam que isso é uma questão de tempo. A própria tevê, acreditam eles, terá um papel importante nisso. “Conforme as pessoas começam a produzir e gerar conteúdo, se dão conta de que podem reivindicar também essa possibilidade”, afirmam. E conhecimento é a moeda mais cobiçada nas beiradas dos rios amazônicos. “Todo mundo nos fala, em todas as comunidades, bem ou mal estruturadas, que sua prioridade é a educação”, diz Bondanzky. Sabem que somente o conhecimento lhe dará armas para continuar a viver na Amazônia, em melhores condições de vida e sem devastação.
www.tvnavegar.com.br
www.navegaramazonia.org.br
www.peleverde.com.br