União Europeia discute neutralidade da internet

Em consulta pública até o final de setembro, documento da UE debate a linha tênue entre o gerenciamento do tráfego na internet e a priorização, pelas operadoras e provedores de acesso, de atendimento a determinados clientes.

27/08/2010
Do Tele.Síntese Análise

Até o final de setembro, os países membros da União Europeia têm que encaminhar suas contribuições à consulta pública sobre a neutralidade da rede em oposição ao gerenciamento do tráfego, que pode gerar prática anti-competitiva.

Este debate já foi colocado por países como Canadá, Estados Unidos, Finlândia, Noruega e Suécia, que sinalizaram em direção à necessidade de regular a internet. Trata de questões sensíveis e que envolvem uma linha muito tênue entre o gerenciamento técnico aceitável do tráfego – para evitar o engarrafamento, e garantir que mensagens prioritárias, como as de segurança pública e saúde – e a priorização, pelas operadoras e provedores de acesso à internet, de atendimento a determinados clientes, mediante pagamento, em detrimento do ecossistema da internet.

Ainda é muito cedo para saber para onde os ventos vão soprar na Comunidade Europeia. Ao contrário do regulador norte-americano, a FCC, que realiza consulta pública para enquadrar a internet como serviço de telecomunicações, a Ofcom, do Reino Unido, em documento divulgado para atender à consulta pública da UE, diz que não há evidências de que o gerenciamento de tráfego pelas operadoras e provedores venha gerando desequilíbrios no mercado.

Para a Ofcom, o risco de priorização do tráfego em favor de alguns e contra o interesse de muitos, por enquanto, só existe potencialmente. Por isso, na consulta que encaminhou à sociedade sobre o tema, diz que entende que não é necessário regular a qualidade de serviço na internet, estabelecendo requisitos mínimos, como prevê o novo marco regulatório de telecom aprovado no ano passado pela UE.

Em princípio, de acordo com o documento da Ofcom, essa regulação será feita pela competição e pelo próprio usuário. Para isso, no entanto, defende que os contratos de internet têm de trazer informações muito claras para o usuário, do que está contratado, do que será entregue e de quais são as políticas de gerenciamento de tráfego do contratante. Se isso não for adotado como bandeira pela indústria de telecom, diz o documento, não restará ao regulador outra alternativa a não ser regular a internet, com o estabelecimento de qualidade mínima de serviço.

Bloqueio nas celulares
A consulta encaminha pela UE para os países membros tem como questão central saber se a neutralidade, um dos princípios básicos da internet, e a sua disponibilidade a qualquer cidadão, podem ser afetadas pela priorização do tráfego. Pergunta ainda quais são os gargalos, os problemas que podem surgir no futuro, suas prováveis causas e em que parte da cadeia de valor podem aparecer. Em relação ao gerenciamento de tráfego, a grande preocupação é delimitar o que é um gerenciamento de tráfego técnico, para fazer a rede fluir, e o que é priorização de tráfego anti-competitiva. De acordo com o documento, o gerenciamento de tráfego é comumente aceito quando suas regras são acordadas entre todas as partes envolvidas na rede.

Outra questão destacada no documento da UE é em que medida os chamados serviços gerenciados – como IPTV, computação em nuvem e aplicações de saúde a distância, entre outros – podem ter interferência, no longo prazo, nos melhores esforços de gerenciamento para manter o modelo da internet aberto e livre. É bom lembrar que a oferta de serviços gerenciados, pelos quais operadoras e provedores cobram pela prioridade de tráfego, é um dos pontos importantes da proposta apresentada recentemente pelo Google e pelo Verizon nos Estados Unidos, como contrapartida à defesa da neutralidade na rede.

A UE também quer saber se os princípios de gerenciamento de tráfego devem ser os mesmos para as redes fixas e móveis. Antes de levantar essa questão, o documento observa que o bloqueio do tráfego de VoIP não é notado na rede fixa, mas é comum nas redes móveis, que também proibem o uso de aplicações P2P. E diz que não está claro se o bloqueio se dá ao nível do operador ou no terminal do fabricante que, a pedido do operador, não instala o software que permite rodar as aplicações ou programa o aparelho para não aceitar a instalação do software. O documento também observa que, em função do avanço tecnológico, especialmente das redes NGN, que permitem aumentar exponencialmente as possibilidades de gerenciamento, é bastante difícil monitorar e ter acesso às práticas adotadas por operadoras e provedores.

Como todo documento sob consulta pública, faz um diagnóstico das questões envolvidas no debate, coloca as questões a serem respondidas, mas não aponta direções. A única posição reafirmada ao longo do texto é a preocupação com a garantia dos valores centrais da internet: acesso livre, não discriminação, liberdade de expressão, pluralismo de mídia e diversidade cultural.