Veja como a proposta do Google e da Verizon pode afetar a navegação do usuário comum da internet

Como seria uma internet de duas classes: rápida, para quem pode pagar, e lenta, para quem não pode?

11/08/2009

O jornalista Ian Paul escreveu, para a revista PC World, do Estados Unidos, um longo artigo sobre a proposta do Google e da Verizon em torno de como tratar a neutralidade na internet. Apresentada naquele país na segunda-feira, a proposta pretende, ao mesmo tempo, manter a internet aberta e abrir espaço para uma rede de banda larga de serviços Premium. Hoje já se compra pacotes com velocidade maior, mas aqui se trata de uma coisa diferente: da possibilidade de priorizar um tipo de tráfego em detrimento de outro. O que o artigo de Paul explica, por meio de cinco perguntas sobre a proposta, como ela pode afetar — de maneira negativa — a navegação das pessoas na internet.

Uma das suas observações é que “a proposta Google-Verizon parece abrir espaço para uma internet de duas categorias: a internet pública que usamos hoje e uma privativa, para serviços Premium. Isso levanta a questão sobre o que acontece com a internet regular a longo prazo. Será que os provedores de banda larga serão incentivados a manter e atualizar seus serviços regulares de Internet?”

O artigo é longo, mas vale a leitura. A neutralidade de rede é o princípio segundo o qual os provedores de banda larga não deveriam discriminar nem restringir o tráfego na web com base em seu conteúdo. Isso impede que empresas com muitos recursos contratem serviços mais rápidos e forcem, indiretamente, a redução da transmissão, na rede, dos pacotes de usuários comuns. É um dos princípios definidos pelo Comitê Gestor para a governança da internet  no Brasil.

Veja a matéria completa:

5 perguntas sobre o pacto Google-Verizon de neutralidade da rede
Por Ian Paul, da PC World/EUA

A Google e a Verizon anunciaram, na segunda-feira (9/8), uma proposta que busca, ao mesmo tempo, manter uma Internet aberta e abrir espaço para uma rede de banda larga de serviços Premium. No entanto, a proposta não tem peso legal: é basicamente um artigo político sobre neutralidade de rede a ser apreciado pelo Congresso dos Estados Unidos e pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês).

A neutralidade de rede é o princípio segundo o qual os provedores de banda larga não deveriam discriminar nem restringir o tráfego na web com base em seu conteúdo. Legal ou não, a proposta é apoiada por duas importantes empresas de tecnologia envolvidas no debate da neutralidade. Isso quer dizer que a proposta poderá influenciar as discussões sobre o futuro do acesso de banda larga à Internet nos EUA.

Até agora a reação à proposta tem sido bastante crítica. O grupo americano de interesse cidadão Public Knowledge afirmou que a proposta “não deveria formar a base da legislação do Congresso ou das regras da FCC”. O site Huffington Post deu início a uma série de artigos sobre o tema com a manchete “Google torna-se má”.

O comissário da FCC Michael J. Copps acredita que a proposta Google-Verizon é um chamado para que a FCC exerça sua “autoridade sobre as telecomunicações de banda larga” para proteger os interesses dos usuários. Já Paul Misener, vice-presidente da Amazon para políticas públicas globais, disse ao jornal New York Times que a proposta Google-Verizon “parece endossar serviços que poderiam causar prejuízo ao acesso do consumidor à Internet”.

Há muitas preocupações e questões em torno da proposta Google-Verizon. Cinco delas encabeçam a minha lista.

1::Como funcionaria essa “Internet privada”?
A Verizon (e presumivelmente outros provedores de banda larga) quer ter o direito de manter uma, digamos, Internet privada para oferecer novos serviços. Entre os exemplos do que essa rede privada poderia oferecer estão monitoração de saúde, serviços educacionais, jogos e outras formas de entretenimento. O serviço privado funcionaria de forma separada da Internet regular.

Na teoria parece uma ideia justa, já que a rede privada de uma operadora não infringiria na Internet existente que temos hoje. Mas como isso funcionaria na prática?

Será que a Verizon, por exemplo, diria à Blizzard Entertainment – dona de jogos online como World of Warcraft – que seus serviços devem ser oferecidos em rede privada porque consomem muita banda da Internet regular?

Mais: haveria outras formas menos diretas de as operadoras de banda larga pressionar as empresas online, forçando-as a migrar para as redes privadas?

2::Por que a Internet sem fio ficou de fora?
De todas as formas, a Internet sem fio (por serviço celular 3G e Edge) é o meio de acesso à Internet que mais cresce. Então por que a proposta da Google-Verizon deixa o acesso móvel à Internet de fora do debate sobre neutralidade da rede?

A proposta diz que a indústria wireless é “muito competitiva e muda rapidamente” para ser incluída em qualquer acordo de neutralidade da rede. Mas se as salvaguardas não forem definidas agora, o que acontecerá quando o acesso sem fio se tornar o modo dominante de acessar a Internet?
Esse futuro poderá chegar mais cedo do que você pensa. Um estudo recente da Morgan Stanley prevê que, daqui a cinco anos, mais pessoas estarão online via dispositivos móveis do que via PCs. E a neutralidade da rede na Internet móvel, como é que fica?

3::O que significa “conteúdo legal de Internet”?
A proposta Google-Verizon diz que os provedores de banda larga “não seriam capazes de discriminar ou priorizar conteúdo legal de Internet”. Sou forçado a adivinhar se, com “conteúdo legal de Internet”, as duas empresas não querem dizer “qualquer conteúdo, menos torrents”, também conhecidos como compartilhamento de arquivos P2P.

Não é segredo para ninguém que as operadoras de banda larga nutrem ressentimentos contra o compartilhamento P2P e não se importariam se ele desaparecesse. Certa vez, a Vuze – uma empresa que produz software P2P – chegou a alegar que todas as operadoras americanas de banda larga prejudicam o tráfego P2P.

Nos últimos anos, a operadora de banda larga Comcast tem lutado contra o compartilhamento de arquivos, sob a alegação de que o protocolo P2P faz com que a rede fique lenta para todos os usuários.

Também não é segredo que muitos usuários de redes P2P trocam arquivos protegidos por direitos de autor, como filmes de Hollywood, programas de TV, videogames, música e até versões digitais de histórias em quadrinhos.

Mas o P2P também pode ser usado para finalidades legítimas. O grupo ativista The Yes Man lançou recentemente seu documentário “The Yes Men Fix the World” como um arquivo torrent disponível publicamente. O cineasta americano Michael Moore fez o mesmo com “Slacker Uprising” em 2008, e a CBC (a emissora pública canadense de TV) também fez experiências com a distribuição de conteúdo via torrents.

À parte toda a crítica e a imprensa ruim de que são alvo, os protocolos de torrent são um modo útil e eficaz de distribuir conteúdo (legal ou não). Então, como a proposta Google-Verizon afetaria o compartilhamento de arquivos P2P? Seriam os acessos a sites como The Pirate Bay ou outros bancos de torrents restritos sob a alegação de que a maioria deles aponta para o que não é “legal”? E outra: com que empenho as operadoras de banda larga monitorarão o tráfego P2P para buscar por conteúdo ilegal em suas redes?

4::O que aconteceria com a Internet regular?
A proposta Google-Verizon parece abrir espaço para uma Internet de duas categorias: a Internet pública que usamos hoje e uma privativa, para serviços Premium. Isso levanta a questão sobre o que acontece com a Internet regular a longo prazo. Será que os provedores de banda larga serão incentivados a manter e atualizar seus serviços regulares de Internet?

Será que as operadoras limitariam as velocidades da Internet regular a um certo nível, para então forçar os usuários a adotar um serviço privado se quiserem melhores velocidades? Como uma Internet aberta (ou pública, como queiram) sobreviveria se as empresas tivessem incentivos financeiros, tais como as redes privadas, para ignorá-la?

5::Quais seriam os custos?
Finalmente, quanto isso custaria para o usuário comum? Se essa proposta for aceita e as operadoras ganharem o direito de oferecer serviços privativos, quanto eles custariam? Será que as mensalidades seriam montadas como as de pacotes de cabo, como alguns têm sugerido, onde você compra um plano para entretenimento (como jogos) e outro para serviços como monitoração de saúde? Ou seriam serviços oferecidos em menu, onde pagaríamos apenas pelos acessos escolhidos?

O objetivo do plano Verizon-Google é manter uma Internet aberta ao mesmo tempo em que permite “investimento contínuo em infraestrutura de banda larga”. Mas será que uma proposta de Internet de duas classes – e que ignora a popularidade crescente do acesso sem fio – um bom modo de manter o acesso à Internet aberto para todos? Não estou tão convencido assim.